Pau-Brasil, espécie mal estudada
Por Roberto R. Martins
Pau-Brasil, Paubrasilia echinata (Fonte: https://www.icmbio.gov.br/portal/ultimas-noticias/20-geral/9282-parque-abriga-pau-brasil-com-mais-de-mil-anos)
Apesar de ter se constituído na principal riqueza da nova terra cuja posse Portugal tomou em 1500 dada a sua qualidade tintorial, na época, o pau-brasil nunca foi estudado em seus diversos aspectos: geográfico, econômico, industrial, botânico e ambiental. Assim não foram adotadas medidas para preservar a riqueza fundamental para o reino português e depois para o império brasileiro, até o ponto de sua virtual extinção, no início da segunda metade do século XIX. Então, a perda do monopólio sobre a madeira expressava também sua virtual extinção nos territórios litorâneos, além da perda de sua importância, pois já não era mais o “pau-de-tinta”, uma vez desenvolvidas as anilinas pela indústria química.
Diversos registros históricos apontam para a falta de estudos sobre o pau brasil na época. Por exemplo, passaram-se quase três séculos e somente em 1789 Lamarck o classificou de forma completa como o Caesalpinia echinata, diferenciando-o de seu congênere oriental, o Caesalpinia sappan. É bem verdade que houve algumas tentativas de classificação anteriores, como os nomes de Caesalpini versicari e de Acacia gloriosa, por estudiosos desde Caspar Bauhin (1623); Piso e Marcgrave (1648), a Leonard Plukenet (1691), além de outros, como nos informa Pereira Ferraz (1930, 101): Guilandina echinata, Spreng, C. vesicaria, Vell. e C. obliqua, Vog. Já o princípio do corante ativo, a brasilina, somente foi isolado em 1808 pelo químico francês Chevreul, especialista na indústria da tinturaria. Enquanto os portugueses, e nós brasileiros, continuávamos a exportar a madeira in natura.
Outros estudiosos estrangeiros, valendo citar o holandês Gaspar Barléu em livro de 1647, obra laudatória aos feitos de Maurício de Nassau, mas nem por isso despida de conscientes conceitos, referem-se a quão “mal feita” a exploração madeireira no Brasil, que sem orientação, “...destrói nos germes a esperança de novas árvores.” (Barléu, 1940, p. 334).
Ou seja: não encontramos ao longo dos séculos por parte dos portugueses e depois dos brasileiros nenhuma preocupação em estudar o pau-brasil no seus múltiplos aspectos. Só importava o estanco, entendendo que era uma riqueza inesgotável que a natureza havia outorgado a Portugal. Pode-se dizer que houve exceções e medidas legais, é verdade. Destaca-se o Regimento do pau-brasil de 1605, que impunha pena de morte a quem o explorasse sem autorização, até posições de alguns personagens, como José Bonifácio e Baltazar da Silva Lisboa. O primeiro como estudioso em Coimbra que se tornou especialista em madeiras e florestas até em Portugal, acentuando desde lá a necessidade de medidas preservacionistas. O segundo, talvez como o nosso primeiro ecologista que exerceu seu mister na função de Juiz Conservador das Matas. Mais tarde, já em 1845, houve uma única iniciativa do ministro da Fazenda do império, o Marquês de Caravelas, de solicitar um estudo que permitisse exportar a brasilina. Mas os resultados contra-indicaram a iniciativa. Assim, desde o primeiro momento no século XVI até fins do século XIX, Brasil colônia, reino e império exportou o pau-brasil em toras (nem mesmo em cavacos), para que na Europa (menos em Portugal) fosse reduzido a farelo (processo simples, que na Holanda era feito nos presídios); e dele extraída a brasilina; daí então tingidos os tecidos.
Somente no século XX vamos encontrar uma preocupação efetiva com o estudo do pau-brasil: desde o resgate de seu papel econômico como primeiro ciclo do nosso país com a História Econômica do Brasil de Roberto Simonsen (1937), ao papel histórico e abrangente abordado por A. L. Pereira Ferraz, em Terra do Ibirapitanga (1939) e, especialmente, O pau-brasil na história nacional (1938), clássico de José Bernardino de Souza. Outros livros ainda merecem referência como os dos brasilianistas Alexander Marchant: Do escambo à escravidão (visão do processo extrativista original) e Warren Dean: A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira (pela visão do processo), e o mais recente Pau-brasil de Eduardo Bueno e outros, pela sua abrangência da abordagem, inclusive científica, e pelas novidades que suscita. A transformação da madeira de pau-de-tinta em árvore-da-música (o que motivou o livro O som do pau-brasil: a árvore da música, de Luciana Ferraz), não é assunto a tratar por aqui, bem como a outros livros de referências mais discretas sobre o pau-brasil.
A partir de meados do século XX, especialmente devido ao agravamento de uma série de questões decorrentes da degradação ambiental, assistimos a um despertar do interesse sempre mais amplo voltado para o estudo e a defesa de nossas flora e fauna, destacando-se a Mata Atlântica, domínio dos mais ricos biomas e dos mais alcançados pela destruição predatória. O movimento resulta não só na criação de uma série de instituições - públicas e da sociedade civil - dedicadas ao estudo e à defesa do nosso meio ambiente. Dentro dela o pau-brasil será motivo de variadas iniciativas, desde a produção de mudas e seu replantio, a descobertas de espécies seculares sobreviventes, ao resgate de sua história, inclusive com a declaração do pau-brasil como árvore nacional (Lei 6.607/78), bem como ao aprofundamento de seu conhecimento científico. Neste mister destacou-se o papel do Museu do Meio Ambiente assentado no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, onde o pesquisador H. C. Lima foi um dos pioneiros e um dos responsáveis para que, já em pleno século XXI, se desse uma nova classificação botânica a partir da uma reclassificação da subfamília Caesalpinia, deixando o nosso pau-brasil de ser o outrora Caesalpinia echinata para se tornar o Paubrasilia echinata (Paubrasilia echinata (Lam.) E. Gagnon, H.C. Lima & G.P. Lewis), justa homenagem, a um país tão carente de elevação de sua autoestima.
Hoje, mais que tudo, ao lado da preservação do que resta, e do amplo replantio, trata-se de aprofundar o resgate da história e de popularizar o assunto. Não se pode pensar em restaurar a Mata Atlântica sem resgatar o papel de um dos seus frutos mais expressivos. E ganhar a consciência da sociedade é função primeira.
FONTES:
Barléu, Gaspar. HISTORIA dos feitos recentemente praticados durante oito anos no BRASIL e noutras partes sob o governo do ilustríssimo JOÃO MAURÍCIO CONDE DE NASSAU ETC. Tradução e anotações de Cláudio Brandão. Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do Ministério da Educação, 1940.
Bueno, Eduardo [et ali]. Pau-Brasil. São Paulo. Axis Mundi, 2002.
Dean, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.
Ferraz, Luciana. O som do pau-brasil: a árvore da música. São Paulo: ed. do autor, Interface Filmes e Artes, 2010.
Gagnon E, Bruneau A, Hughes CE, De Queiroz LP, Lewis GP (2016) A new generic system for the pantropical Caesalpinia group (Leguminosae). PhytoKeys 71: 1–160. doi: 10.3897/phytokeys.71.9203
Lisbôa, Balthazar da Silva. Riqueza do Brasil em Madeiras de Construção e Carpintaria. In Revista do Instituto Geographico e Histórico da Bahia, nº 52. Salvador, 1926.
Marchant, Alexander. Do escravismo à escravidão: as relações econômicas de portugueses e índios na colonização do Brasil. 1500-1580. Trad. de Carlos Lacerda. 2ª ed. São Paulo: Ed. Nacional; Brasília: INL, 1980.
Pereira Ferraz, A. L. Terra da Ibirapitanga. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1939.
Souza, Bernardino José de. O pau-brasil na história nacional. Com um capítulo de Artur Neiva; parecer de Oliveira Viana. 2ª ed. São; Paulo: Ed. Nacional, Brasília: INL, 1978.
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Bio: Jornalista, escritor, historiador e pesquisador nas áreas de História e Ciências Sociais. Autor, entre outros de Liberdade para os brasileiros: anistia ontem e hoje, (Civilização Brasileira, 1978), Segurança Nacional, (Brasiliense, 1986), Porto Seguro: história de uma esquecida capitania (Assembleia Legislativa da Bahia, 2018). Atualmente pesquisa a madeira desde o tempo colonial aos dias presentes, nas chamadas capitanias do centro: Ilhéus, Porto Seguro e Espírito Santo. E-mail: rm45@uol.com.br
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