A importância da conservação e restauração de nascentes

Por Ricardo H. Taniwaki

As nascentes, localizadas em áreas de cabeceira, são consideradas um dos mais importantes componentes da paisagem. Nelas são encontradas a melhor qualidade de água em uma bacia hidrográfica e importantes processos biológicos ocorrem nestes ambientes, que garantem que a água continue fluindo com qualidade rio abaixo. Para entendermos a localização das nascentes, precisamos primeiramente entender o conceito de bacia hidrográfica, na qual é caracterizada por uma determinada área na qual toda a chuva que cair nesta área irá verter para um único ponto de saída (Porto & Porto, 2008). Nas bacias hidrográficas são encontrados rios e riachos de diversos tamanhos, tanto em largura quanto em profundidade. Esses rios e riachos são classificados em “ordens” e a classificação mais comum é a proposta por Horton-Strahler (Strahler, 1964). Nesse tipo de classificação, são atribuídas classes a cada bifurcação de rios e riachos, sendo considerado o de “primeira ordem” aquele que não possui nenhum afluente. Quando riachos de primeira ordem formam um riacho maior, esse é classificado como de segunda ordem e assim por diante.

Portanto, nascentes são ambientes que drenam riachos de primeira ordem e são os ambientes responsáveis por “produzir” água para toda a bacia hidrográfica. Visto a importância desses ambientes, é extremamente necessário que esses ambientes sejam estritamente conservados, visando garantir uma água de qualidade para toda a bacia hidrográfica e para todos os seus usuários. Os riachos de primeira ordem também são os que possuem maior extensão em uma bacia hidrográfica, onde podem representar cerca de 60% de toda a extensão de rios e riachos, como ocorre no Estado de São Paulo (Taniwaki et al., 2018). Nesse sentido, é importante que as nascentes e os riachos de primeira ordem sejam priorizados em programas de restauração florestal e ecológica, pois são esses ambientes que irão garantir uma água de boa qualidade, quando conservados.

Como esses ambientes são muito comuns, eles também são um dos mais ameaçados pelas atividades humanas. Nas áreas agrícolas, esses ambientes são intensamente degradados pelo assoreamento (Figura 1). Esse processo ocorre quando as áreas agrícolas são manejadas para o plantio ou colheita, na qual o solo é revolvido, ficando solto e desagregado. Quando chove, todo esse solo solto e desagregado acaba indo para os riachos e, se a quantidade de solo for maior que a capacidade de suporte do canal do riacho, o riacho pode simplesmente desaparecer, ficando soterrado. Nos ambientes urbanos, as nascentes e riachos de primeira ordem sofrem com a canalização, ou seja, os riachos que corriam livremente nos ambientes urbanos são transformados em verdadeiros tubos de concreto, sem nenhum contato com o solo, vegetação ou organismos aquáticos. Eles perdem totalmente a sua característica natural.


Figura 1. Riacho em área agrícola. Caso o solo nas áreas agrícolas esteja solto ou desagregado, o solo irá ser carreado para o interior dos riachos. Para evitar isso, é necessário manter largas faixas de vegetação ripária e adotar boas práticas agrícolas para a conservação dos solos. Imagem: "Rewarding Eco-Friendly Farmers Can Help Combat Climate Change" de Merrill College of Journalism Press Releases com direitos autorais CC BY-NC 2.0

 

Figura 2. Riacho em áreas urbanas, sem contato com o solo e totalmente concretado. Esses tipos de riachos precisam ser renaturalizados para que possam ter de volta as suas condições originais. Imagem: "Urban stream" de Thomas Cizauskas com direitos autorais  CC BY-NC-ND 2.0.

Visto a importância e a contínua degradação que as nascentes sofrem, é importante que façamos o máximo para manter esses ambientes conservados e com características naturais. Nas áreas agrícolas, podemos conservar as nascentes e riachos de primeira ordem mantendo no mínimo 30 metros de vegetação ripária para garantir o bom funcionamento dos ambientes aquáticos (apesar da Lei de Proteção da Vegetação Nativa adotar o valor mínimo de 5 metros em alguns casos) e adotando boas práticas agrícolas para evitar que o solo das áreas agrícolas seja carreado para os riachos, e utilizando insumos agrícolas de forma correta e com o apoio de programas de extensão rural. Nas áreas urbanas, os riachos precisam de obras de renaturalização, para que possam voltar a ter contato com o solo e com a vegetação e, principalmente, não canalizar os riachos que ainda possuem características naturais. Com essas práticas, podemos garantir uma água de boa qualidade e com custo reduzido, uma vez que uma água limpa tem menor custo de tratamento, e garantir que a biodiversidade aquática desempenhe o seu papel na purificação da água através de processos biológicos.

 

Ricardo H. Taniwaki é biólogo, mestre em Engenharia Civil e Ambiental e doutor em Ecologia Aplicada. É professor do curso de Engenharia Ambiental e Urbana da Universidade Federal do ABC, na área de Gestão de Recursos Naturais e Agroecossistemas. Atua na área de ecologia de ecossistemas aquáticos.

 

Leitura recomendada:

 

Porto, F. A., & Porto, R. L. L. (2008). Gestão de bacias hidrográficas. Estudos Avançados, V. 22(63), pq. 43-60.

 

Strahler A. N. (1964). Quantitative geomorphology of drainage basins and channel networks, section 4 – II, in Chow, Ven Te; Maidment, D. R; Mays, L. W. (1988). Applied Hydrology, McGraw-Hill, New York

 

Taniwaki, R. H., Forte, Y. A., Silva, G. O., Brancalion, P. H. S., Cogueto, C. V., Filoso, S., Ferraz, S. F. B. (2018). The Native Vegetation Protection Law of Brazil and the challenge for first-order stream conservation. Perspectives in Ecology and Conservation, V. 16, pg. 49-53

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