Por que as águas de março não fecham mais o verão?

por Anani Morilha Zanini*

Noticiários, palestras, debates, aulas, relatórios, seja em qualquer forma de comunicação, o aquecimento global e as mudanças climáticas são sempre assuntos abordados pela população, principalmente suas causas e consequências, e mesmo com uma enxurrada de informação, muitas pessoas ainda não compreendem, e muitas vezes nem mesmo acreditam no que está acontecendo. O fato é que, a temperatura do planeta está aumentando, as chuvas de março não fecham mais o verão, não dá para confiar na previsão do tempo, e o homem é o principal responsável por esses acontecimentos.

Mas vamos tentar resumir todo esse complexo processo chamado efeito estufa? O planeta Terra é envolto pela atmosfera, uma camada de gases. Parte da luz que a Terra recebe do Sol é refletida, porém a maioria dos raios consegue ultrapassar a atmosfera e atingir a superfície terrestre, sendo então refletida novamente com um comprimento de onda longo (radiação infravermelha). Uma vez refletida, essa radiação é absorvida pelo vapor d’água e pela atmosfera, impedindo que o calor se dissipe para o espaço, mantendo a temperatura do planeta em condições ideais para sobrevivência (sem esse processo natural a temperatura média da Terra seria de -10°C). O grande problema dessa história é que, com o aumento da emissão desses gases por ações antrópicas, como atividades industriais, agropecuária, urbanização, e desmatamento, tem-se aumentado a capacidade de retenção da radiação infravermelha pela atmosfera, ocasionando um aumento da temperatura média da Terra. Especialistas estimaram através de modelos matemáticos que até 2100 pode haver um aumento médio de até 6,4°C na Terra, e de até 88 cm no nível no mar.

Em 2015, diversos países assinaram o Acordo de Paris, assumindo responsabilidades, acordos e compromissos, visando principalmente a redução dos níveis de emissão dos gases do efeito estufa. Uma das principais ações desse acordo foram os incentivos a programas de restauração ecológica, já que, de maneira simplificada, o sequestro de carbono ocorre por meio da fotossíntese, em que as plantas absorvem o carbono da atmosfera e o transformam em biomassa. Com isso, os reflorestamentos são considerados como grandes sumidouros de carbono da atmosfera, e primordiais no processo de mitigação das mudanças climáticas. 

O projeto NewFor, visa compreender a multifuncionalidade das novas florestas, sendo uma de suas principais premissas estimar o potencial dessas áreas em prover serviços ecossistêmicos. Com isso, meu projeto de doutorado intitulado “Contribuição das restaurações ecológicas no estoque de carbono global: como potencializar esse serviço na paisagem rural”, sob orientação do professor Ricardo Ribeiro Rodrigues, irá integrar o papel dessas novas áreas, em benefícios a conservação da biodiversidade, a mitigação das mudanças climáticas, ao sequestro de carbono e a proteção do solo. A pergunta principal que norteia nosso projeto é: Qual a diferença no estoque de carbono das novas florestas localizadas em diferentes usos agropecuários do solo? Visando assim, identificar quais são as metodologias de implementação de restauração mais eficientes, como os diferentes compartimentos de uma floresta, ou seja a biomassa viva, morta ou as camadas orgânicas do solo, estocam esse carbono, e como a paisagem em que essas áreas estão inseridas podem afetar a estocagem.

Nós queremos auxiliar no desenvolvimento de políticas públicas e tomadas decisões, principalmente quanto ao estímulo a restauração ecológica por produtores rurais, a seleção das melhores áreas e metodologias de restauração quando se visa o maior sequestro de carbono, ao incentivo financeiro através do pagamento por serviços ambientais, e principalmente demonstrar a importância das florestas para a população, seja aquelas que já existem, na luta contra o desmatamento, para aquelas que ainda estão crescendo, ou para aquelas que ainda vão crescer. O mundo precisa de soluções práticas e fáceis para sua continuidade, a conservação das florestas é uma dessas, faça sua parte, para que as águas de março voltem a fechar o verão.


Fonte: ONU, 2017

*Bio: Anani Morilha Zanini, é engenheira florestal pela Universidade Federal de Lavras, mestra e doutoranda em Conservação de Ecossistemas Florestais na ESALQ/USP. Atuando com questões sobre estoque de carbono em áreas sob processo de restauração florestal. Atualmente é Analista Ambiental Junior na Estação Ecológica de Bananal, junto ao projeto Conexão Mata Atlântica. Linkedln Lattes

Referências:

[1] Aduan, R.E.; Vilela, M. de F.; Klink, C.A. 2004. Os grandes ciclos biogeoquímicos do Planeta. EMBRAPA. Planaltina, Distrito Federal.
[2] Brantley, S.T.; Vose, J.M.; Wear, D.N.; Band, L. 2018. Planning for an uncertain future: Restoration to mitigate water scarcity and sustain carbon sequestration. In: Kirkman, L. Katherine; Jack, Steven B., eds. Ecological restoration and management of longleaf pine forests. Boca Raton, FL: CRC Press: 291-309. 18. p.
[3] Intergovernmental Panel of Climate Change – IPCC. 2007. Climate Change 2007: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Fourth Assessment Report of the IPCC. Parry, M.L.; Canziani, O.F.; Palutikof, J.P.; Van der Linden, P.J.; Hanson, C.E.; Cambridge, 73p.
[4] Intergovernmental Panel of Climate Change – IPCC. 2018. Global Warming of 1.4° C. Incheon, Republic of Korea.

**O texto acima é um artigo de opinião, e não representa a opinião de todos os membros do NewFor ou de seus órgãos financiadores.

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