NewFor Entrevista: Camilla Noel (Edição Engenheiros Florestais)

Dia 12 de julho foi o dia do Engenheiro Florestal. Para comemorar essa data, dedicamos todo o mês de julho para entrevistar engenheiros florestais de diversas áreas. Os entrevistados nos contam um pouquinho sobre sua trajetória, o interesse pela Engenharia Florestal e sua atuação atual. A seguir, trazemos a nossa segunda entrevista, com Camilla Noel, Engenheira Florestal e Licenciada em Ciências Agrárias pela ESALQ/USP. Camilla Noel possui experiência em engajamento jovem e projetos com restauração florestal, manejo de produtos florestais não madeireiros, permacultura e educação ambiental. Atualmente trabalha em uma startup chamada Conecta Brasil 360, hospedada no Forest Brasil Hub em Piracicaba.

Como você chegou onde está hoje? O que te levou a fazer engenharia florestal? Qual sua trajetória? Qual sua área de atuação?

A primeira vez que tive algum tipo de contato com a área ambiental foi aos 13 anos na aula de ciências, quando minha professora passou um vídeo chamado “Carta de 2070”, no qual problematizava-se o modo de vida da nossa sociedade e o impacto das mudanças climáticas para as gerações futuras. Neste momento, percebi que devia fazer algo sobre isso, que era meu papel e de todos e todas da minha geração reverter esse futuro caótico. Assim, cursei o ensino médio na Escola Técnica Getúlio Vargas em São Paulo, na qual tive a oportunidade de também cursar o ensino técnico em Meio Ambiente, o que fez com que eu me apaixonasse pela área socioambiental e decidisse nela permanecer.


Visita técnica pelo curso técnico de Meio Ambiente na Serra da Canastra.

Apesar de ter estudado muito sobre o curso antes de me candidatar, sempre digo que eu entrei na Engenharia Florestal sem saber exatamente o que era, assim como 90% dos e das estudantes. Fui me descobrir no curso certo apenas no segundo ano de faculdade, quando comecei a participar da Associação Brasileira de Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF), que me apresentou uma Engenharia Florestal mais crítica, mais humana e que dialogava com o meu propósito de vida.

Neste sentido, ao longo da graduação participei ativamente do movimento estudantil, dentro da ABEEF, CAEF (Centro Acadêmico de Engenharia Florestal), CALQ (Centro Acadêmico “Luiz de Queiroz”), Coletivo Feminista “Raiz Fulô” e também fui Representante Discente do Departamento de Ciências Florestais e da Comissão de Graduação. Considero essa uma das trajetórias mais enriquecedoras da minha formação pessoal e profissional e acredito que todos e todas estudantes deveriam viver experiências semelhantes.

Além disso, pude viver intensamente tanto a pesquisa quanto a extensão na universidade e aprender muito com ambos. Em relação aos grupos de extensão, participei do Grupo Florestal Monte Olimpo nos primeiros anos e do Grupo de Extensão Agroecológica Motyrõ da OCA (Laboratório de Educação e Política Ambiental) nos últimos anos, ambos importantes cada qual em seu momento. Em relação à pesquisa, desenvolvi duas iniciações científicas pelo PIBIC, a primeira sob a orientação dos professores Paulo Kageyama (in memoriam) e Flávio Gandara e a segunda sob a orientação do professor Pedro Brancalion, ambas na área de restauração florestal. Além das iniciações científicas, também participei de um projeto de pesquisa financiado pelo CNPQ no Lastrop (Laboratório de Silvicultura Tropical) na área de manejo florestal de produtos não madeireiros e meios de vida sustentáveis sob a orientação do professor Edson Vidal.

Outro ponto alto da minha formação foi a Licenciatura em Ciências Agrárias, que me fez descobrir um amor pela educação que eu nunca soube que existia. Os estágios da licenciatura foram fundamentais nesse processo, assim como meu projeto de pesquisa e extensão dentro da temática de desenvolvimento profissional docente, junto ao GEDePE (Grupo de Estudos Desafios da Prática Educativa) e sob a orientação da professora Vânia Massabni.

No final da graduação realizei um intercâmbio para cursar disciplinas no Instituto Politécnico de Coimbra em Portugal, onde estudei principalmente as áreas de política e certificação florestal. Ao retornar do intercâmbio comecei a estagiar no Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) na área do Conectando Saberes. Esse período foi bastante importante para a minha formação, pois me trouxe a experiência de trabalhar em uma ONG e vivenciar assim alguns de seus desafios e potencialidades.

O Conectando Saberes era uma área transversal dentro do Imaflora, então tive a oportunidade de participar de vários projetos concomitantemente, desde Governo Aberto da área de Políticas Públicas até cursos para auditores da Certificação Florestal. Tratava-se de um espaço dentro do Imaflora para se pensar fora do padrão, para se trabalhar educação e inovação, colocando as pessoas no centro de todas as decisões e ações e assim ajudando-as em seus processos de desenvolvimento e engajamento nas suas atividades e propósito dentro e fora da instituição. O meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi desenvolvido nesse contexto, nas áreas de educação e permacultura sob a orientação do professor Marcos Sorrentino, carregando consigo muito da essência do Conectando Saberes e da minha própria trajetória ao longo da graduação.

Ao finalizar a graduação encontrei um espaço acolhedor que pudesse me aceitar integralmente, valorizando cada passo e opinião que eu possa ter. Atualmente trabalho no Forest Brasil Hub, um espaço novo em Piracicaba que ganhou esse nome recentemente, mas que já possui um impacto enorme de redes e conexão em prol do desenvolvimento socioambiental. O Hub ou Coalizão, como costumamos chamar, hospeda o Instituto Terroá e diversas startups que têm buscado impactar positivamente a sociedade através de seus serviços e tecnologias. Esse movimento em Piracicaba é importante por trazer a pauta da sustentabilidade para o ecossistema de inovação do agronegócio que tem se desenvolvido na cidade, mostrando que nesse território também podemos falar de tecnologia socioambiental.

Dentro do Hub, trabalho especificamente na Conecta Brasil 360, uma iniciativa nova que tem como proposta de valor proporcionar visibilidade, conexão e negócios para produtos e serviços com performance socioambiental diferenciada que compartilhem valor com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Buscamos entregar e compartilhar valor nas conexões através de um olhar sistêmico para o negócio, desenvolvendo ferramentas e serviços customizados que contribuem para ampliar o impacto positivo do serviço ou produto oferecido.

Portanto, para chegar onde estou hoje, todas as experiências vividas foram fundamentais, valorizo muito todas elas, pois com seus inúmeros desafios e potencialidades me fizeram ter a certeza de estar na profissão certa para mim, para a sociedade e para o meio ambiente.

Como a Engenharia Florestal ajudou na sua carreira? Na sua atuação hoje? O que mais te motivou/motiva em trabalhar nessa área? 

A Engenharia Florestal me ajudou a entender que não podemos mais tolerar o “produzir OU conservar”, ou seja, é possível (e necessário) produzir E conservar, um não pode ser o oposto do outro. E quando eu digo conservar, não é só em relação às florestas, mas também em relação aos povos e comunidades tradicionais que vivem nelas, ou seja, conservar a sociobiodiversidade. Para mim, uma das grandes missões do(a) Engenheiro(a) Florestal é justamente essa, apresentar soluções e formas de produzir e conservar, potencializando produtos e serviços livres de passivo socioambiental. Esse aprendizado eu trouxe do conjunto das minhas experiências e levo para a minha atuação profissional. 

III Semana de Reflexão do Curso de Engenharia Florestal 
da ESALQ, construído pelo CAEF e ABEEF.

O que mais me motiva a trabalhar nessa área é ter a certeza da importância crescente da nossa profissão nesse contexto. A Agenda 2030 da ONU considera essa década fundamental para ação visando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com uma visão integrada de que pessoas e meio ambiente não são pautas desconexas e sim intimamente relacionadas e dependentes. Acredito que a nossa profissão tem um papel essencial nesse processo de transformação socioambiental e construção de uma nova forma de desenvolvimento, que respeite as pessoas e as riquezas naturais.

Qual o impacto do seu trabalho na sociedade e no meio ambiente?

Atualmente trabalho principalmente em dois tipos de projetos: assessoria para certificação (orgânica, florestal, comércio justo) e assessoria para estruturação de negócios comunitários com produtos florestais não madeireiros, visando o empoderamento e autonomia das comunidades.

Ambos tipos de serviços possuem impacto socioambiental positivo. A certificação, que estabelece uma série de princípios, regras e normas nos âmbitos social e ambiental, contribui para que o impacto negativo dos produtos que consumimos seja minimizado. A assessoria às comunidades é uma forma de apoiar o extrativismo sustentável e a conservação da floresta em pé e ao mesmo tempo valorizar o modo de vida das populações tradicionais, sejam indígenas, quilombolas, ribeirinhas, quebradeiras de coco, dentre outras. 

Além disso, participo de movimentos e organizações que trabalham com engajamento e mobilização jovem para ações de transformação socioambiental. Uma delas é o Engajamundo, uma organização de liderança jovem que visa, por meio de formações, mobilização, participação e advocacy, empoderar a juventude brasileira para compreender, participar e incidir em processos políticos, do local ao internacional. Participo especificamente do Núcleo Local de Piracicaba (EngajaPira), que tem como objetivo contribuir para as mobilizações e ações a nível local.

Atualmente também sou embaixadora do Dia Internacional da Juventude pelo estado de São Paulo. O Dia Internacional da Juventude foi criado em 1999 pela Organização das Nações Unidas, como uma celebração anual do papel essencial dos jovens para gerar mudanças e também aumentar a conscientização sobre os desafios e problemas enfrentados pela juventude mundial. Anualmente, a ONU promove um tema e convida a todos a realizarem atividades, eventos, projetos trazendo o protagonismo da juventude. Esse ano o tema é: “Engajamento jovem para ação global”. Portanto, acredito muito no poder e potencial da juventude para construir um mundo mais justo e sustentável e por isso permaneço em organizações e espaços que também acreditam nisso. 

Quais os principais desafios que você enfrenta?

Não consegui pensar em desafios que eu especificamente enfrento, mas atualmente enxergo como principais desafios da profissão e do meu propósito quanto pessoa e profissional a conjuntura política brasileira. Enquanto houver o desmonte total das políticas e instituições públicas fundamentais para a construção de um Brasil mais justo e sustentável, qualquer Engenheiro(a) Florestal ético terá dificuldades de trabalhar. Por isso acredito que devemos nos posicionar politicamente quanto profissionais e agir, pois enquanto fingimos ser neutros, a Amazônia, os povos da floresta, e nós, direta ou indiretamente, estamos à beira do colapso socioambiental.

Primeira visita técnica da turma de 2014.

Para saber mais:

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