"As Crônicas de Gelo e Fogo”: trabalhando com florestas temperadas!

*Por Laura Helena Porcari Simões

Para algumas profissões, o trabalho e atividades de pesquisa conduzidos em diferentes locais é muito semelhante. No entanto, na área florestal, a diferença é muito grande, uma vez que os tipos florestais dependem das condições edafoclimáticas e as atividades não são realizadas em condições controladas. Por esses motivos, a vegetação nativa dos biomas, a sua dinâmica, e até mesmo as técnicas de restauração podem ser muito diferentes. Sou engenheira florestal, conduzi a minha pesquisa de mestrado no estado do Kansas, nos Estados Unidos, e gostaria de compartilhar a minha experiência em florestas de clima temperado, comparando com a nossa floresta tropical em alguns aspectos.

A vegetação da região onde morei e trabalhei é na maior parte formada por gramíneas nativas, sendo parte do ecótono ao leste ocupado por florestas e ao oeste ocupado por pradarias. A primeira situação que chamou a minha atenção e que nunca precisei me preocupar quando trabalhei em florestas tropicais é a restrição de trabalho de campo pelo clima extremo e possibilidade de desastres naturais: no Brasil, o único dificultador para trabalhos de campo é o excesso de chuvas em algumas situações, enquanto em florestas temperadas, não é possível realizar atividades de campo durante alguns meses devido ao frio intenso e neve. A identificação de espécies e até mesmo a verificação de que o indivíduo estava vivo era dificultada pela queda das folhas e dormência das árvores. Eu também trabalhava com quantificação de serapilheira e não era possível coletar esse material quando ele se encontrava completamente congelado ou coberto com neve, além de ser muito difícil ficar por várias horas fora de ambientes aquecidos, por mais que se esteja bem agasalhado. No verão, havia o risco de tempestades e tornados (a história do Mágico de Oz é no Kansas!), o que exigia atenção constante com a previsão do tempo.

Outro ponto interessante é a diferença nas técnicas de restauração e manejo das áreas. O meu projeto consistia no uso de queimadas prescritas para beneficiar a regeneração de espécies de carvalho. Na Mata Atlântica, essa técnica é impensável e não traria benefícios, enquanto lá o fogo foi historicamente utilizado pelos povos indígenas, e quando essa prática foi suspensa pelas políticas de supressão de fogo, a estrutura e composição das florestas foi modificada de forma prejudicial às espécies de carvalho, que são de elevado interesse por serem muito importantes economicamente e para a fauna, o que gerou a necessidade de realizar pesquisas sobre os benefícios da reintrodução do fogo. É importante enfatizar que as queimadas são feitas de forma muito séria e controlada pelo Serviço Florestal do Kansas.


Além disso, em toda a minha área de estudo (mais de 360.000 m2) havia menos de 15 espécies arbóreas, enquanto em uma única parcela do NewFor medindo 900 m2, nós podemos encontrar dezenas de espécies nativas. Outra diferença interessante sobre as vegetações é que enquanto aqui as gramíneas muitas vezes são invasoras em áreas florestais, lá algumas espécies arbóreas são invasoras dos campos (grasslands) e causam alguns problemas. Essa situação proporcionou uma mudança de pensamento muito grande, uma vez que foi possível perceber a importância de ecossistemas não florestais e que nem sempre árvores são benéficas.

Essa experiência em florestas temperadas foi muito interessante por abrir horizontes para novas possibilidades e conhecimentos na área florestal, mas “nós não estamos mais no Kansas” (mais uma referência ao Mágico de Oz, expressão adotada pelos norte-americanos para dizer que não estamos na nossa zona de conforto), e as nossas florestas tropicais ainda tem um campo de pesquisa muito extenso e interessante a ser explorado e estudado!

*Bio: Laura Helena Porcari Simões é Engenheira Florestal e Licenciada em Ciências Agrárias pela ESALQ/USP, Mestre em Horticultura com Certificado em Ciência da Informação Geográfica pela Kansas State University, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Recursos Florestais na ESALQ/USP e integrante do NewFor.

**O texto acima é um artigo de opinião, e não representa a opinião de todos os membros do NewFor ou de seus órgãos financiadores.

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