“Floresteiros” enclausurados: Como pesquisadores de campo têm reagido a Pandemia

 

*Por Leticia Bulascoschi Cagnoni


      A equipe de campo do NewFor composta por bolsistas de treinamento técnico, alunos de graduação e pós-graduação é acostumada a passar pelo menos duas semanas por mês “no meio do mato”, viajamos em uma equipe de dez a quinze pessoas, que dormem e acordam, cozinham, caminham, trabalham na coleta de dados, e interagem juntas. As viagens de campo são nosso fôlego, nosso combustível e uma parte fundamental da nossa escolha profissional. Escolhemos as florestas e a pesquisa como ocupação e ficar em casa tem sido um dos maiores desafios para quem trabalha usualmente em campo/em interação com mais pessoas.

Basicamente todas as atividades do nosso laboratório precisaram passar por uma transformação nesses quase cinco meses de pandemia e isolamento social. Tivemos que nos acostumar com uma rotina completamente diferente: a de escritório, na frente do computador. O trabalho não parou, muito menos a saudade da nossa interação social e com a natureza. Então como nós, biólogos, ecólogos, gestores ambientais, engenheiros florestais e agrônomos temos trabalhado em pesquisa científica nesses tempos?

Ao contrário do que imaginávamos, as atividades, apesar de se modificarem, não diminuíram. Continuamos em ritmo de trabalho intenso mesmo a distância e experimentamos na prática o que nosso coordenador Pedro Brancalion dizia desde o início da pandemia: “Vamos fazer deste limão uma limonada”, quando o medo e preocupação invadiam nossos pensamentos e cronogramas. E é o que temos feito, dentro das nossas limitações e respeitando o tempo e as pausas necessárias de cada um.

Equipe NewFor em atividades de campo antes da pandemia

1.  1. Deixar a casa em ordem

A primeira grande tarefa foi de organizar o que já fizemos antes: os dados coletados, os protocolos de coleta, planilhas de dados, identificações botânicas, processamento de amostras de solo e, de raízes que passam por diversos tratamentos, além da compra de material que faltava. Esta com certeza é uma tarefa muito mais complicada e trabalhosa do que parece. Como o projeto tem ganhado escala, o tempo para deixar tudo em conformidade é enorme. Hoje reconhecemos que se não tivéssemos tido esse tempo, e percebido a necessidade dessa organização, teríamos problemas muito maiores no futuro.

2.  2. Treinamento Online

Precisávamos aperfeiçoar nossos conhecimentos em diversas ferramentas e técnicas importantes na carreira de um pesquisador, então organizamos um treinamento online que já ultrapassou 50 horas de duração, incluindo mini-cursos de escrita científica, análise de dados no software “R”, capacitação em reuniões online, e discussões de artigos científicos dentro das nossas áreas de trabalho, com os autores dos artigos, ou professores associados ao projeto NewFor. Emitimos certificados para os participantes, e todas as aulas foram gravadas e estão disponíveis em nosso canal do YouTube, para que outras pessoas também tenham a oportunidade de capacitação (veja os links no fim deste texto).

3.  3. Palestras

Acredito que todo mundo já participou de pelo menos uma palestra, ou das conhecidas lives durante a pandemia, e no NewFor não foi diferente, trouxemos profissionais renomados das áreas afins ao projeto para trazerem conhecimento e tirarem dúvidas importantes nesse período. Também tivemos as apresentações de projetos de mestrado e doutorado do NewFor, onde os pesquisadores puderam apresentar as ideias e aprimorar detalhes de seus projetos, com a contribuição dos demais membros. Além disso, organizamos um workshop com palestras sobre saúde mental na pandemia, sendo ministrado por psicólogos, e outros profissionais da área da saúde. Todo este conteúdo está disponível no canal do Youtube também.

4.  4. Este blog e outras redes sociais

A necessidade de divulgação científica não é de agora, cientes da importância de expandir o conhecimento científico, temos trabalhado nisso há algum tempo, mas a pandemia nos ajudou a direcionarmos mais esforços para essas atividades: criamos redes sociais (Instagram, Facebook, canal no Youtube, este Blog) que são abastecidas semanalmente com conteúdo de qualidade ao público de fora e de dentro da universidade, e expandindo o alcance das nossas ações.  

5. 5. Ajustes nos projetos individuais

Cada projeto é um mundo repleto de complexidade, e sabemos que apesar dos atrasos em muitas atividades de campo, este período tem sido fundamental para ajustes na retomada das atividades quando for possível. Tem sido um tempo de estudo e análise de hipóteses e métodos antes de serem testados, e em outros casos de olhar mais profundo para os dados e resultados obtidos e escrita de manuscritos. Um tempo de percepção e de fazer ciência onde estivermos e da forma que esteja ao nosso alcance.

Esperamos que nossas iniciativas inspirem outros grupos de pesquisa a continuarem desenvolvendo suas atividades mesmo no contexto de pandemia. No entanto, a sobrevivência e sanidade mental devem ser nossa principal preocupação nesse período, e ninguém deve ser obrigado a ser produtivo e disciplinado o tempo todo. Além disso, se temos melhores condições de vida, ou simplesmente podemos ficar dentro de casa enquanto este furacão passa do lado de fora, é um grande privilégio. Acreditamos que a responsabilidade social e luta pela diminuição da desigualdade é dever de todos nós, e a ciência e os cientistas não deveriam ficar aquém dessa batalha.  


Relembrando momentos das atividades de campo antes da pandemia.


*Bio: Leticia Bulascoschi Cagnoni é Ecóloga pela UNESP/Rio Claro. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Recursos Florestais na ESALQ/USP e integrante do NewFor. 

**O texto acima é um artigo de opinião, e não representa a opinião de todos os membros do NewFor ou de seus órgãos financiadores.

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