A maior área úmida tropical do mundo precisa de ajuda: Entenda o que tem acontecido no Pantanal

 

Autoras: Letícia Koutchin Reis¹  e Letícia Couto Garcia² 

 

E-mail para contato: ¹leticiak.reis@gmail.com; ²garcialcbio@yahoo.com.br

 

        O Pantanal é uma extensa savana úmida na América do Sul tropical, cobrindo cerca de 140.000 km² na região brasileira, situada na Bacia do Alto Paraguai (BAP) e considerado um Patrimônio Mundial da UNESCO conhecido por sua biodiversidade única. A Bacia do Alto Paraguai é formada pela planície de inundação (Pantanal) e pelos planaltos adjacentes (Cerrado e Amazônia). A planície e o planalto possuem grande interdependência ecológica e funcional. Sua complexidade estrutural causada pelas inundações periódicas moldam diversas espécies de plantas e animais, tendo um grande papel ecológico. Essa interdependência é essencial na manutenção de processos hidrológicos e no sistema de secas e cheias, já que nele estão localizadas as nascentes dos rios que formam o Pantanal. 


        Apesar do Pantanal ser o bioma brasileiro com menor passivo ambiental, recentemente, vem enfrentando diversas ameaças a sua biodiversidade. No passado recente, o Pantanal foi identificado como "arco de desmatamento" semelhante ao da Amazônia, resultante de mudanças antropogênicas no uso da terra, aumento da sedimentação por inundações desreguladas e mínimo esforço para restauração. O planalto circundante possui apenas 39% de vegetação nativa, e espera-se que nos próximos 30 anos, cerca de 14.000 km² de vegetação nativa sejam perdidos ao todo na BAP. Os principais responsáveis por essa perda estão relacionados à expansão da agricultura e da pecuária, principalmente nas áreas de transição da várzea para o planalto. Muitas fazendas foram estabelecidas nas terras altas ao redor do Pantanal e grande parte da vegetação natural foi convertida em pastos com espécies exóticas, plantações de soja ou por outras atividades. 


        Entre outros problemas estão a erosão e compactação do solo, expansão de áreas de pastagens exóticas, assoreamento de rios, e diminuição no nível da água dos rios. O fogo utilizado em períodos não naturais e em alta frequência para manejo de pastagens (nativas ou exóticas, dependendo do caso) também tem sido um problema, visto o que tem ocorrido em 2020. Embora plantas e animais sejam até certo ponto adaptadas a regimes de fogo naturais, quando o fogo ocorre em períodos de grande estiagem, com alta frequência e em áreas extensas, ocorrem grandes prejuízos econômicos sociais e ambientais. 


Os incêndios sem precedentes, de origem antrópica vem crescendo alarmantemente nos últimos meses. A precipitação está cada vez menor e este ano de 2020 houve uma redução histórica de até 40% no volume de chuvas na região, apresentando o menor nível de cheia desde 1973. Essa condição tornou o Pantanal mais seco e propício a queimadas devido ao acúmulo de biomassa vegetal seca. Aproximadamente 2,9 milhões de hectares já foram queimados (mais de 19% do Pantanal, o que seria equivalente a 15,5 vezes a cidades do México) e transformados em cinzas, pontes de acesso rural foram queimadas, pequenas propriedades, bases de pesquisas e até terras indígenas foram afetadas. Áreas de matas virgens viraram cinzas e fica a dúvida se após essa conversão possam ser utilizadas para abrir caminho para locomoção de gado. 

 
        A demanda por restauração após esse desastre intencional será aumentada, mas, devido à complexidade de sua dinâmica sazonal, a restauração ecológica é um desafio para todos os restauradores e tomadores de decisão. Estudo recente coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente demonstra que a maior parte do Pantanal possui baixo potencial de regeneração natural (54%), o que necessita de estratégias de conservação e restauração de áreas prioritárias viabilizado por meio de políticas públicas. No entanto, o incentivo público para restauração e recuperação de áreas alagadas é mínimo. Ainda é difícil dizer qual a melhor forma e método para restauração no Pantanal, já que pesquisas estão sendo feitas a pouco tempo.


        Recentemente iniciamos a abordagem sobre a restauração no Pantanal com uso do transplante de plântulas provenientes da regeneração natural com resultados promissores. O uso de indivíduos das espécies mais abundantes coletados em fragmentos doadores naturais favorece a sobrevivência, já que muitos possuem adaptabilidade genética local (históricos de inundações), além de ser uma utilização viável para áreas remotas de difícil acesso por não necessitar de viveiros ou rede de coleta de sementes (Fig 1). O isolamento total de áreas inundáveis para restauração pode ser comprometedor para a circulação de mamíferos de médio e grande porte durante o período de cheia, com isso, o uso de cercas individuais no entorno das mudas também é uma estratégia considerável para restauração. Quanto ao fogo, grandes esforços têm sido levantados dentro do projeto Noleedi (fogo no idioma Kadiwéu) a fim de avaliar o efeito do fogo na biota do Pantanal Sul-mato-grossense e sua interação com os diferentes regimes de inundação. Espera-se com este projeto, auxiliar o manejo integrado de fogo dentro da maior terra indígena do Mato Grosso do Sul e utilizar essas informações para auxiliar os gestores ambientais e tomadores de decisão.

 

Mudas transplantadas da regeneração natural no Pantanal. A esquerda mostra muda de porte pequeno (até 40cm) totalmente submersa e adaptada a grandes inundações; A direita, muda de maior porte (até 70cm) na fase de vazante da inundação com cerca individual que reduziu a herbivoria por capivaras. Fonte: LKR (2018).

 

        Atualmente está tramitando na Câmara dos Deputados um projeto de Lei do Pantanal. Além de considerar questões de restauração no PL, a política das Cotas de Reserva Ambiental (CRAs) também deverão ser grandes aliadas à conservação do Pantanal. Para isso, áreas frequentemente inundáveis possuem baixo valor econômico, o que facilita para proprietários rurais a adequação e compensação ambiental do planalto através da compra de CRAs a baixo custo. Porém, nesta lei este mecanismo deveria estar atrelado ao valor da terra e não a compensação baseada no tamanho da terra. Ou seja, considerando que as CRAs tendem a ser estabelecidas em áreas de baixo valor, deveria existir um mecanismo baseado no preço da terra aumentando, portanto, a conservação em maior extensão de áreas alagadas. Portanto, avanços nos estudos e políticas públicas pró-conservação e restauração do Pantanal são urgentes. O esforço coletivo e político é importante para evitar que desastres como estes de 2020 gerem prejuízos ambientais, sociais, e à economia, uma vez que o agronegócio no Pantanal é dependente de sua biodiversidade.

        Que possamos aprender  a valorizar a ciência e os recursos naturais fornecidos pela natureza e nossa biodiversidade. A proteção ao meio ambiente é um direito fundamental. Ajude o Pantanal salvando vidas silvestres: Operação de resgate e auxílio aos animais vítimas do Incêndio do Parque Estadual das Nascentes do Taquari localizado em Alcinópolis /Costa Rica no Mato Grosso do Sul: Operação PENT – AJUDE UM FOCINHO; Brigada Pantanal do PREVFOGO IBAMA e as Brigadas Comunitárias: ECOA; Comunidades ribeirinhas, tradicionais e indígenas, do Pantanal e Cerrado (MS): COMITIVA ESPERANÇA; Formação da Brigada Permanente de Combate Á Incêndios Florestais do Alto Pantanal: BRIGADA ALTO PANTANAL/INSTITUTO HOMEM PANTANEIRO; Resgate de fauna queimada: AMPARA SILVESTRES; ONGs linha de frente do combate ao fogo e resgate de fauna: SOS PANTANAL;  Reconstrução dos ninhos de Araras-azuis e ações de preservação da espécie: INSTITUTO ARARA AZUL.


Este artigo é uma colaboração com o Laboratório de Ecologia da Intervenção, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMS).

Bio: ¹Bióloga, mestre em Biologia Vegetal e Doutoranda em Ecologia e Conservação pela UFMS. Pesquisa sobre o bioma Pantanal desde 2017 envolvendo estratégias de restauração ecológica e custo efetividade. É membra do Laboratório Ecologia da Intervenção LEI-UFMS. Atualmente sua pesquisa faz parte de uma demanda indígena para rever o estado de conservação por modelos de predição sob fogo e inundação, buscando estratégias de restauração por transplante do banco de sementes e plântulas em uma espécie ameaçada de extinção no Pantanal.

Bio: ²Bióloga, mestre em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre pela UFMG, doutora em Biologia Vegetal pela Unicamp, com período sanduíche na Western Australia, pós-doc pelo CRIA e professora adjunta da UFMS, coordenadora do Laboratório Ecologia da Intervenção, com experiência em ecologia da restauração desde 2001 atuando na Mata Atlântica, Cerrado e Pantanal.


Para saber mais:

[Saiba mais sobre nosso Lab. Ecologia da Intervenção LEI-UFMS ]

[Reportagem Pantanal registra recorde de queimadas - Globo ]

[Reportagem Incêndios no Pantanal levam governo de Mato Grosso do Sul a decretar emergência ambiental - Globo]

[Saiba mais sobre nosso projeto Noleedi-CNPq]


Literatura recomendada:

Reis, LK, Damasceno, GA, Battaglia, L, Garcia, LC. (2020). Can transplanting seedlings with protection against herbivory be a cost-effective restoration strategy for seasonally flooded environments? Forest Ecology and Management. In press.

Roque F O, Ochoa-Quintero J, Ribeiro DB, Sugai LSM, Costa-Pereira R, Lourival R, Bino G. (2016). Upland habitat loss as a threat to Pantanal wetlands.Conservation Biology 00: 1-4.

SOS-Pantanal, WWF-Brasil, Conservation-International, ECOA, Fundacion-AVINA. (2015). Monitoramento das alterações da cobertura vegetal e uso do solo na Bacia do Alto Paraguai Porção Brasileira - Período de análise: 2012 a 2014. Embrapa Pantanal, Corumbá.

Guerra A, de Oliveira Roque F, Garcia LC, Ochao-Quintero JMO, de Oliveira PTS, Guariento RD, Rosa IM. (2020). Drivers and projections of vegetation loss in the Pantanal and surrounding ecosystems. Land Use Policy, 91:104388.

Pott, A., Garcia, L.C., Pereira, Z. V., Matsumoto, M. & Braga, J. V. (2018). Potencial de regeneração natural da vegetação do Pantanal. Ministério do Meio Ambiente. p.6
Tomas, W.; Roque, F.O.; Morato, R.; Medici, P.; Chiaravalloti, R.M.; Tortato, F.; Penha, J.; Izzo, T.; Garcia, L.C. et al. (2019). Sustainability Agenda for the Pantanal Wetland: Perspectives on a Collaborative Interface for Science, Policy, and Decision-Making. Tropical Conservation Science 12: 1-30
Tomas, W. M.; Garcia, L. C.; Roque, F. O.; Lourival, R.; Dias, F.; Salis, S. M.; Mourão, G. M. Análise dos conceitos de “mesma identidade ecológica”, “equivalência ecológica” e “offsetting” para compensação de Reserva Legal. Corumbá: Embrapa Pantanal, (2018). 30 p. (Embrapa Pantanal. Documentos, 159). Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/193439/1/Doc-159-Walfrido-versao-final-27-fev.pdf e https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/812031/1/SumarioExecutivoAnalise2020.pdf

Libonati, R.; Belém, L.B.C.; Rodrigues, J.A.; Santos, F.L.M.; Sena, C.A.P.; Pinto, M.M.; Sistema ALARMES – Alerta de área queimada Pantanal, situação atual - segunda semana de setembro de (2020). 11p, Rio de Janeiro, Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais - UFRJ, 2020. Acesso em 17 de setembro de 2020. https://lasa.ufrj.br/noticias/area-queimada-pantanal-2020/

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