NewFor entrevista: Debora Rother (Edição Mês da Biologia)

    Dia 03 de setembro foi o dia do Biólogo. Para comemorar essa data, dedicamos todo o mês de setembro para entrevistar os biólogos de diversas áreas. Os entrevistados nos contam um pouquinho sobre sua trajetória, o interesse pela Biologia e sua atuação atual. A seguir, trazemos um relato produzido pela bióloga Debora Rother*.

História de uma bióloga

Debora em trabalho de campo no Parque Estadual Carlos Botelho

1. Como você chegou onde está hoje? O que te levou a fazer biologia? Qual sua trajetória? 

   Minha curiosidade pela natureza se manifestou desde muito cedo. Flores, frutos, formigas, abelhas, joaninhas, aranhas, lagartas, passarinhos e vários outros animais e plantas me atraiam como um imã. Posso dizer que a natureza me encantou e encanta desde menina. 
    Estudei em uma escola pública na minha cidade natal (São Carlos) onde pouco se falava em fazer um curso universitário. Eu realmente não entendia como isso funcionava. Até que no colegial (hoje ensino médio) tivemos uma excursão para conhecer os cursos de uma universidade. Achei aquele universo incrível e fascinante. Aquela excursão foi decisiva para mim e o mundo se abriu de uma forma que eu não tive a menor dúvida. Vou fazer um curso universitário. 
    Terminei o colegial, fiz cursinho pré-vestibular e finalmente entrei no curso de Ciências Biológicas da UNESP de Rio Claro. A adaptação em morar fora da casa dos pais levou alguns meses para acontecer, mas a minha paixão pela Biologia e ter encontrado pessoas com as mesmas afinidades me fizeram sentir em casa. 
    É interessante que conforme os anos da graduação foram passando, andar pelas ruas da cidade e pelos jardins nunca foi igual depois das disciplinas de botânica, ecologia e zoologia. Para tudo podíamos dar um nome. Eram partes das flores, estruturas dos insetos, beija-flores visitando flores. Quantas coisas a serem observadas!
    Ao longo da graduação trabalhei com própolis e abelhas em laboratório, mas o que realmente me entusiasmava era a ecologia. Meu interesse pelo campo surgiu na sala de sala na disciplina de ecologia de comunidades e meu primeiro contato real foi em uma viagem para uma unidade de conservação – o Parque Estadual da Ilha do Cardoso, no litoral sul do estado de São Paulo. Na época um pós-graduando precisava de ajuda para coletar os seus dados e essa foi a grande oportunidade de saber o que se fazia em um trabalho de campo. Uma amiga e eu fomos ajudá-lo. Que dias sensacionais! Essa viagem foi realmente decisiva e desde então meus estágios e trabalhos foram sendo realizados sempre pela perspectiva da ecologia de campo. 
    No mestrado e no doutorado não foi diferente! Trabalhei com a regeneração de plantas e a dispersão de sementes por aves na Mata Atlântica, mais especificamente no Parque Estadual Carlos Botelho. Foram anos difíceis de coletas intensivas sob sol, chuva, pirambeiras, algumas cobras, tombos, escorregões, palmiteiros, mas o encanto da floresta se sobressaia às dificuldades. 
    Todos temos sonhos e desde muito antes de entrar na biologia o meu era conhecer a Amazônia e eu já tinha um gosto especial pelos primatas. Realizei esse sonho no último ano da graduação quando fui estagiar em um projeto de conservação de um primata endêmico da região de Manaus, o Sauim-de-coleira (Saguinus bicolor).

Estágio na Universidade Federal de Manaus (UFAM), no Projeto de Conservação do Sauim-de-coleira (Saguinus bicolor), Manaus, AM em 2002. (A) Filhote de Preguiça-bentinho (Bradypus tridactylus) órfã resgatada, (B) Jibóia (Boa constrictor) resgatada de áreas que foram desmatadas na região de Manaus e (C) Sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) sedado por veterinário para a coleta de amostras de sangue e de pelos.


2. Como a biologia ajudou na sua carreira? Na sua atuação hoje? O que mais te motivou/motiva em trabalhar nessa área? 
    
    No início da vida acadêmica trabalhei em Unidades de Conservação (UCs), cujas florestas são exuberantes, com alto grau de conservação e onde boa parte da estrutura e das interações entre as espécies ainda permanecem. No entanto, eu me questionava demais sobre as florestas que estavam fora dessas UCs e que estavam localizadas em paisagens agrícolas. Foi aí que passei a observar que as lições aprendidas nas florestas mais conservadas poderiam ser aplicadas no contexto da restauração de áreas degradadas. 
    Hoje eu sei que o que mais me motiva nos estudos de restauração é poder explorar perguntas ecológicas e hipóteses que normalmente são testadas para ecossistemas conservados. E para isso a biologia foi fundamental pois foi essa carreira que me forneceu todo o embasamento teórico. 
    No entanto, o conhecimento não tem um fim. A busca de métodos e ferramentas analíticas para recuperar a estrutura de um ecossistema ou para entender como podemos recuperar o seu funcionamento é fascinante e especialmente necessária em tempos de tanta degradação e perda de florestas. 

3. Qual o impacto do seu trabalho na sociedade e no meio ambiente? 

   A restauração de áreas degradadas é um campo infinito de possibilidades de estudo. E gerar conhecimento para o seu potencial uso em políticas públicas e para a conservação da diversidade de animais e plantas aliados ao bem estar humano, torna essa área ainda mais motivadora. 
    Sinceramente, eu não sei avaliar o impacto efetivo do meu trabalho para a sociedade e para o meio ambiente. O impacto da ciência muitas vezes não é tão evidente e fácil de se medir. Uma coisa é certa, meu objetivo é funcionar como uma célula multiplicadora do que aprendo para capacitar os futuros profissionais e difundir a informação. Para mim o mais importante é a formação de estudantes que tenham paixão pelo que fazem e que com seus estudos gerem boas informações para o avanço de nosso conhecimento. 

4. Quais os principais desafios que você enfrenta? 

    Eu costumo dizer que ser bióloga e pesquisadora é um estilo de vida, mas é um desafio manter-se motivada o tempo todo, ainda mais em condições políticas e econômicas adversas. Minha estratégia nesses momentos é manter o que há de genuíno. Por exemplo, fazer parcerias de trabalho com colegas e amigos pesquisadores que têm aquele “brilho no olhar” quando veem uma nova ideia é uma forma de manter a motivação “viva”. Eu tenho a sorte de ter uma rede de pessoas incríveis trabalhando comigo e isso é um ponto chave para enfrentar desafios. 

Registro da disciplina de Recuperação de Áreas Degradadas, UFABC, SP.

    Esse texto é uma homenagem a você que tem a Biologia como profissão, que tem um olhar sensível para as belezas da natureza e que dedica sua vida à conservação de plantas e animais ou à recuperação de áreas degradadas.

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LERF


*Bio: Débora é bióloga formada na Universidade Estadual Paulista (UNESP, Rio Claro), mestre e doutora em Biologia Vegetal, professora colaboradora no programa de pós-graduação em Recursos Florestais da ESALQ, USP, pesquisadora em um projeto no Departamento de Ecologia da USP, SP financiado pela Royal Society e apaixonada por sua profissão.

Contato: deborarother@gmail.com

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