NewFor Entrevista: Mauro Galetti (Edição Mês da Biologia)

 Dia 03 de setembro é o dia do Biólogo. Para comemorar essa data, dedicamos todo o mês de setembro para entrevistar os biólogos de diversas áreas. Os entrevistados nos contam um pouquinho sobre sua trajetória, o interesse pela Biologia e sua atuação atual. A seguir, trazemos a nossa primeira entrevista, com Dr. Mauro Galetti Rodrigues, é biólogo, pesquisador e atualmente professor na Universidade de Miami (EUA), em 2019 foi considerado um dos cientistas mais influentes do mundo pela Clarivati Analytics.

1. O que te levou a fazer biologia? Qual sua trajetória? Qual sua área de atuação? Como você chegou onde está hoje?

Eu estudei em um colégio (Imaculada Conceição, Campinas) que tinha uma professora fantástica de Biologia. Além disso, meu tio biólogo (Dr. Pedro M. Galetti da UFScar) e meu irmão (Dr. Marcos Rodrigues da UFMG) também sempre foram uma inspiração e certamente os filmes de natureza de Jacques Cousteau. Talvez o filme que mais me influenciou foi “Os lobos não choram” que conta a história de um biólogo sozinho no Alasca estudando lobos e caribus.

Além disso, eu gostava de criar periquitos, canários, peixes e sempre gostei de animais, acho que toda criança quer ser biólogo. Decidi então cursar graduação em Biologia na Unicamp, onde me interessei muito por atividades de campo e, em uma delas, observando bugios na Mata de Santa Genebra, em Barão Geraldo, percebi que era aquilo que queria fazer: observar animais na floresta. Simplesmente por prazer, não tinha uma hipótese, pergunta e nem sabia sobre método científico, apenas adorava andar “no mato”. Era um hippie da ciência.

Coletando dados na Mata de Santa
Genebra, com um bugio órfão.

Tive muito bons professores na UNICAMP que sempre foram minha inspiração como Dr. Ivan Sazima, Dr. Paulo Oliveira e o Dr. Keith Brown. Na Botânica fui imensamente influenciado pelo Dr. Hermógenes Leitão-Filho e Dr. Jorge Tamashiro. Na UNICAMP aprendi a gostar de plantas e entender o papel fundamental das interações ecológicas nos ecossistemas naturais. Além disso minha turma tinha muitos colegas que gostavam de viajar para ver animais.

Então, durante a graduação, encontrei um dia na biblioteca a Dra. Patricia Morellato que me ensinou como fazer um trabalho científico, como usar minhas observações para entender como os animais dependem das plantas e vice-versa. Como descobri logo o que gostava e o que não gostava, comecei a frequentar a Mata de Santa Genebra, 3x por semana, e coletei boa parte dos meus dados ainda na graduação e a Dr. Patrícia me orientou no mestrado.
Como a Universidade de Cambridge é muito internacional, conheci pessoas do mundo inteiro e aprendi muito sobre diversas áreas de pesquisa. Enquanto na UNICAMP aprendi a ser biólogo, em Cambridge eu aprendi a ser um cientista do mundo, ou seja que propõe em responder questões relevantes que todo o mundo quer responder. Defendi o doutorado durante 5 horas consecutivas (apenas 2 avaliadores e eu) e após 4 anos e 6 meses no 13 de dezembro de 1996 me tornei um PhD. Foi uma experiência incrível e comemorei no mesmo Pub que Watson e Crick celebraram seu prêmio Nobel. Todos os anos dia 13 de dezembro eu comemoro essa defesa.

Quando entrei no mestrado já tinha 4 anos de dados coletados, um trabalho publicado e por isso defendi o mestrado após 1 ano e 5 meses, um recorde até hoje na UNICAMP. Antes mesmo de terminar a graduação eu já almejava fazer doutorado fora do Brasil e descobri um primatólogo na Universidade de Cambridge (Inglaterra) que me aceitou orientar. Ganhei uma bolsa do CNPq e me mudei em agosto de 1992 para a Inglaterra. Apesar da Universidade de Cambridge ser a mais famosa do mundo, tive muitas frustações. Meu orientador de doutorado foi um pouco ausente na minha formação e aprendi a desenvolver a maior parte do trabalho sozinho. Aprendi a buscar financiamento e escrever um projeto de doutorado que seja diferenciado, mas que no final foi importante na minha formação. Meu grupo de pesquisa era muito famoso na época e tinha formado os melhores primatólogos do mundo, como o Dr. Márcio Ayres e o Dr. Carlos Peres.
Meus interesses de pesquisa são as interações animal-planta e biologia da conservação. Não foco em um único grupo animal, mas em todos aqueles que se alimentam de frutos. Animais que comem frutos são os “plantadores” de florestas. Sem frugívoros as florestas tropicais são mais pobres e retêm menos carbono. No fundo, quero saber como seria um mundo sem animais.

Após essa experiência na Inglaterra, eu fui para Indonésia realizar um pós-doutorado. O projeto era para ficar um ano estudando calaus e ursos em Bornéo, mas uma guerra civil estourou e após três meses lá eu decidi voltar ao Brasil devido à insegurança. Em seguida consegui uma bolsa CNPq, e depois de Jovem Pesquisador (Fapesp) para trabalhar no Departamento de Botânica na UNESP Rio Claro. Após 1 ano fui aprovado num concurso público no Depto. de Ecologia.
Na UNESP tive a sorte de ter excelentes colegas de Departamento e alunos, e o grupo de pesquisa cresceu muito. NA UNESP comecei a tecer colaborações internacionais importantes, como a com o Dr. Pedro Jordano e Dr. Rodolfo Dirzo, que persistem até hoje.
Cheguei onde estou porque faço o que eu gosto e pelo enorme apoio que tive dos meus pais e da minha esposa. Eu acredito que a família tem a função de alavancar seu sonhos de criança. Sou, acima de tudo, um curioso e aprendi que muitas vezes precisamos começar do zero e aproveitar toda oportunidade de aprendizado, foi assim em Cambridge, na Dinamarca, em Stanford. Amo aprender, devoro artigos científicos o tempo todo, e procuro motivar e ensinar o pouco que sei para todos os alunos. Outro importante fator é que tive todo apoio financeiro das instituições de fomento à pesquisa, o que possibilitou os estudos, principalmente do CNPq e da FAPESP. Sou um cientista hoje devido a vários fatores: apoio financeiro de órgãos de fomento, venho de uma família de cientistas, tive excelentes professores na minha carreira, minha instituição (UNESP) me apoiou em todas minhas iniciativas e tenho apoio familiar enorme.

Além da UNESP eu fui professor visitante na Universidade de Stanford por 2 anos e na Universidade de Aarhus na Dinamarca por 6 meses, onde aprendi a publicar em jornais de mais alto impacto. Somente em 2020, comecei uma nova jornada como professor na Universidade de Miami, onde estou atualmente.

2. Como a biologia ajudou na sua carreira? Na sua atuação hoje? O que mais te motivou/motiva em trabalhar nessa área?

Durante a graduação haviam várias sub-áreas da Biologia que eu não gostava, como microbiologia, biologia celular e até mesmo botânica. Hoje eu me interesso por todas, vejo a importância de cada pedacinho da Biologia e sempre volto nas bases da ciência biológica. Realmente é fascinante como a Biologia te permite estudar qualquer coisa. A biologia conversa com diversas áreas do conhecimento, sempre digo que um biólogo tem papo com todo mundo, porque todo mundo gosta de biologia. A nossa profissão pode levantar a curiosidade nas pessoas com histórias incríveis, muito mais que médicos, advogados e engenheiros.

O que me motivou a ser professor é a vontade de passar o pouco que sei para os alunos. A aula é uma exposição sobre algo que você acha que sabe. Se você acha que sabe de alguma coisa, dê aula sobre isso e veja que os alunos são que mais te ensinam. O que eu mais gosto é de dar aulas de campo, principalmente na Mata Atlântica, e tentar motivar os alunos a fazer biologia por paixão. Precisamos um exército de biólogos (e ecólogos) para mudar o planeta.

Campo na Inglaterra com Dr. Carlos Peres e Dr. Milton C. Ribeiro.


3. Qual o impacto do seu trabalho na sociedade e no meio ambiente?

Ao longo de minha carreira jamais pensei em fazer pesquisa aplicada. Darwin, Newton, Einstein e muitos outros cientistas que admiramos eram acima de tudo curiosos. As minhas pesquisas e o conhecimento gerado com elas sempre voltam para a sociedade. Quando entendemos que a relação entre uma planta e um animal que dispersa seu fruto é frágil, e que essa relação é fundamental para a manutenção da floresta e que os serem humanos dependem da floresta, minha pesquisa tem influência direta na sociedade. Do açaí que comemos, à invasão do mosquito que causa dengue, tudo envolve estudos básicos de biologia. Uma coisa que descobrimos hoje, pode demorar vários anos para ser usada na sociedade. O conhecimento vai sendo acumulado lentamente, até que um dia possamos usá-lo com competência.

4.  Quais os principais desafios que você enfrenta?

Existem questões em biologia da conservação que achávamos que estávamos progredindo, mas em 30 anos de carreira nunca vi tamanho retrocesso científico e na política ambiental. Retrocessos no pensamento relacionado a questões ambientais e na ciência terão impactos enormes nas gerações futuras. Parece que estamos entrando numa “Idade das Trevas”. Isso é frustrante, mas não desesperador. Mas não podemos desistir, não ganhamos a guerra da conservação, mas muitas batalhas foram ganhas. Quando comecei minha carreira eu achava que com informações científicas e publicadas em boas revistas bastavam para mostrar como devemos usar a natureza. Acho que esse é o maior desafio do Biólogo hoje, como fazer uma ciência que transpõe o Fake News e a ignorância que está crescendo no mundo. Por outro lado, hoje eu vejo diversos projetos de conservação 100% brasileiros sendo um sucesso absoluto, da conservação do mico leão dourado ao Mutum de Alagoas, os biólogos têm ajudado muito na conservação de animais e ecossistemas ameaçados. Isso era quase impensável quando comecei minha carreira há 30 anos atrás.

Laboratório da Biologia da Conservação (LaBiC) no Congresso de Mastozoologia em Águas de Lindóia em 2019.


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