NewFor Entrevista: Miguel Monteiro (Edição Mês da Biologia)


Dia 03 de setembro é o dia do Biólogo. Para comemorar essa data, dedicamos todo o mês de setembro para entrevistar os biólogos de diversas áreas. Os entrevistados nos contam um pouquinho sobre sua trajetória, o interesse pela Biologia e sua atuação atual. A seguir, trazemos um relato produzido pelo biólogo Miguel Monteiro*.


                   Do Rio de Janeiro ao Rio Amazonas: um biólogo no rastro das onças


Desde pequeno sempre fui fascinado por animais. Tive minha fase de gostar de dinossauros, de tubarões, de felinos (dessa última acho que nunca saí) para, apenas muitos anos mais tarde, descobrir que era possível trabalhar com vida selvagem e viver em função de protegê-la. Na graduação, me apaixonei ainda mais por tudo o que a Biologia tinha a oferecer e quantas oportunidades eu antecipava que se abririam à minha frente. Comecei participando de uma pesquisa com estimativa populacional de tucanos-de-bico-preto no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Em seguida, tive a oportunidade de fazer um estágio no Instituto Baleia Jubarte durante um semestre, trabalhando de perto com a conservação destes gigantes marinhos. Foi uma experiência única, mas algo me dizia que o próximo passo deveria ser experimentar trabalhar com um animal terrestre. Um fator que julgo ser de extrema importância, porém raramente é frisado, é o quão essencial é procurar trabalhar com algo – seja uma pesquisa, uma espécie, um projeto – que te motiva, te instiga, te move. Ter um vínculo afetivo com aquilo que escolhemos nos dedicar torna o trabalho não somente mais produtivo e eficiente, como prazeroso.

Foto 1: Instalação de armadilha fotográfica para monitorar população de onças-pintadas da Reserva Mamirauá.


Enfim, após muito esforço, consegui encontrar um estágio que me permitisse trabalhar com onças-pintadas – algo com o qual já sonhava há anos. Passei mais de um mês no Parque Nacional do Iguaçu, experiência que foi indescritível, tanto em termos de alçar minha carreira profissional atual, quanto pessoalmente, passando por situações tão incríveis e diversas como avistar minha primeira onça-pintada na natureza até ver um arco-íris de lua sobre as cataratas à noite. Deste estágio em diante, eu sabia que trabalhar com conservação de onças-pintadas era o caminho que queria seguir. Busquei outras oportunidades nessa área, participando de uma expedição à Amazônia para ajudar em um trabalho de campo de doutorado, participei de uma campanha de captura de onças-pintadas também na Amazônia, fiz estágio no CENAP, órgão do ICMBio que trabalha com carnívoros, entre outros. Todo esse percurso me levou até onde estou hoje – pesquisador bolsista do Instituto Mamirauá, trabalhando no grupo de pesquisa com felinos com foco nas relações de conflito e coexistência entre onças e populações tradicionais da região.

No cenário atual, onde ambientes naturais estão cada vez mais reduzidos e a população humana continua a crescer ininterruptamente, buscar a coexistência entre seres humanos e fauna silvestre é um ponto crucial. Através da minha pesquisa espero encontrar ferramentas que incentivem tanto a conservação da onça-pintada quanto a melhoria da qualidade de vida das comunidades locais. A proteção da onça, sendo considerada uma espécie guarda-chuva, acaba abarcando uma infinidade de outras espécies e grandes áreas de floresta, gerando um impacto positivo muito mais abrangente do que somente os esforços despendidos para a proteção de uma única espécie. O fato da onça ser um animal bastante estigmatizado, muitas vezes gerando medo e insegurança para aqueles que convivem com ela, é um agravante quando tratamos com as pessoas envolvidas em sua conservação. Articular medidas que sejam benéficas para todas as partes é um verdadeiro desafio. Outro desafio que vem surgindo e tem potencial para se tornar uma problemática de grandes proporções é o incentivo à caça às onças para o tráfico de animais silvestres com destino ao mercado chinês. 

Foto 2: Captura de onça-pintada na Reserva Mamirauá pelo grupo de pesquisa com felinos do Instituto Mamirauá. Autor Marcos Brito / Local: Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Amazonas / Data: 29/01/2020



Minha carreira como pesquisador de onças ainda está começando e, apesar de relativamente curta, já está recheada de experiências intensas e marcantes. Todo o alicerce dessa trajetória foi a formação em Biologia que possibilitou unir a paixão pela natureza com o olhar científico necessário para ajudar em sua proteção. Diante da crise global que assola o meio ambiente, tendo um impacto profundo sobre a biodiversidade e as populações humanas em situações mais vulneráveis, há cada vez mais uma necessidade de profissionais qualificados que saibam lidar com as crescentes ameaças que vêm surgindo. Nós, biólogos, temos um papel fundamental nessa conjuntura, atuando na pesquisa, na educação, na esfera pública, em órgãos não-governamentais, entre tantas outras áreas, podendo influenciar diretamente para inverter a situação que se desdobra à nossa frente.


Email: miguel.monteiro@mamiraua.org.br

Instagram: @miguelmonteirofotos

ResearchGate: https://www.researchgate.net/profile/Miguel_Monteiro8

Site institucional: https://www.mamiraua.org.br/gp-felinos

Portfolio: https://miguelmonteiro.myportfolio.com/


*Bio: Miguel Monteiro é biólogo, natural do Rio de Janeiro, cidade na qual morou e estudou por boa parte de sua vida. Fez graduação em ciências biológicas na PUC-Rio onde desde cedo desenvolveu sua vocação por conservação da vida selvagem. Após uma série de estágios e expedições Brasil afora, hoje é pesquisador do Instituto Mamirauá, trabalhando no Grupo de Pesquisa em Ecologia e Conservação de Felinos na Amazônia.

**O texto acima é um artigo de opinião, e não representa a opinião de todos os membros do NewFor ou de seus órgãos financiadores.

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