NewFor entrevista: Ricardo Ribeiro Rodrigues (Edição Mês da Biologia)

Dia 03 de setembro foi o dia do Biólogo. Para comemorar essa data, dedicamos todo o mês de setembro para entrevistar os biólogos de diversas áreas. Os entrevistados nos contam um pouquinho sobre sua trajetória, o interesse pela Biologia e sua atuação atual. A seguir, trazemos um relato produzido pelo biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues*.


1. Como você chegou onde está hoje? O que te levou a fazer biologia? Qual sua trajetória? Qual sua área de atuação?

Essa é uma pergunta super interessante, pois por pressão da família iniciei o curso de Odontologia em Bauru, que acabei abandonando no final do primeiro semestre, por não conseguir me imaginar na vida profissional dentro de um consultório odontológico, tendo como ambiente de trabalho, uma boca aberta. Abandonei, voltei a fazer cursinho por seis meses e ingressei na UNICAMP, no curso de Ciências Biológicas. Na Unicamp tive oportunidade, no final do primeiro ano, pelo Coeficiente de Rendimento, a trocar o curso de C. Biológicas por outros cursos da área médica. Felizmente não viabilizei, em função da orientação de um primo médico, que me conhecia muito bem e que sabia que eu só seria feliz se eu trabalhasse num ambiente aberto, em contato com o campo. Segui meu curso de C. Biológicas e o concluí em 1982. Durante a graduação fiz várias ICs com diferentes orientadores, inicialmente com taxonomia vegetal, depois com taxonomia e ecologia de animais (anfíbios) e no final voltei para taxonomia e ecologia de vegetais. 

Sergius e Ricardo, colegas de
 trabalho no LERF/ESALQ

Fiz mestrado e  doutorado em Biologia Vegetal pela UNICAMP, sendo que meu mestrado foi um estudo do gradiente vegetacional da Serra do Japi, com orientação do meu professor e grande amigo Dr. Carlos A. Joly, que resultou em artigos científicos e num livro didático, que foi coordenado pela minha colega de mestrado Prof. Dra. Patrícia Morellato, que também fez seu mestrado na Serra e hoje é docente da UNESP de Rio Claro. O meu doutorado também seria na Serra do Japi, estudando sistemas reprodutivos de espécies florestais, sob orientação do Prof. Dr. George Shepherd, que sempre foi uma grande exemplo de profissional e de pessoa para mim. Contudo, no meio do doutorado surgiu uma vaga de professor na ESALQ, na área de taxonomia vegetal, que fui desestimulado a prestar por um colega que era docente da ESALQ na época. Segundo ele, a vaga estava reservada para um engenheiro agrônomo formado na ESALQ, que já estava estagiando nessa área no referido departamento. Desafiado por esse desestimulo que ocorreu um dia antes da seleção, resolvi ignorar o conselho e fui prestar a prova, tendo conseguido, talvez por descompromisso com a seleção, convencer a banca que eu era o mais preparado para essa vaga naquele momento. Entrando na ESALQ como docente em 1987, tive que alterar o tema de minha tese de doutorado, em concordância com meu orientador, que nesse momento já era meu grande amigo, pois não conseguiria desenvolver o projeto na Serra do Japi, em função da sobrecarga de aulas. Assim, alteramos meu doutorado para um estudo de ecologia de mata ciliar, correlacionando vegetação e solo, que foi desenvolvido num remanescente de mata ciliar do Rio Ipeúna, SP. Foi um dos primeiros trabalhos de ecologia de matas ciliares, que também resultou na publicação de artigos científicos e do livro Mata Ciliar: Conservação em Restauração, de 2000 e 2009, publicado pela EDUSP, com minha coordenação junto com Prof. Dr. Hermógenes de Freitas Leitão Filho, que foi também um grande amigo e um exemplo para minha carreira profissional, assim como os Profs Drs Carlos Joly e George Shepherd. O livro Matas Ciliares foi muito aceito pela comunidade científica e pela população em geral, tendo vendido milhares de cópias. 

Disciplina de Taxonomia ministrada nas áreas conservadas da Marinha, na Ilha do Governador, Rio de Janeiro, em 2017


Na ESALQ, como docente, Chefe de Departamento, membro do Conselho Gestor do Campus, membro da Congregação etc, conseguimos, com a importante ajuda de vários outros docentes da ESALQ, que prefiro não citar para não cometer a injustiça de esquecer alguém - mas destaco a atuação do Prof. Dr. Paulo Kageyama - colocar a importância das questões ambientais no ambiente de produção agrícola. Apesar da enorme resistência interna, conseguimos superar com perseverança, determinação e muita geração de conhecimento científico e hoje a ESALQ é um destaque científico e de atuação prática na área ambiental dentro do ambiente agrícola.      


2. Como a biologia ajudou na sua carreira? Na sua atuação hoje? O que mais te motivou/motiva em trabalhar nessa área? 

A Biologia permite uma formação teórica e prática muito ampla e muito consistente em vários temas ambientais, com destaque para conservação e manejo da biodiversidade. Assim,desde o início da minha formação profissional sabia que estava no curso certo, sempre tive a preocupação de gerar conhecimento científico, mas conhecimento esse que pudesse sustentar a adoção de práticas efetivas de conservação e recuperação ambiental e também sustentar boas políticas públicas. Por isso meu mestrado e meu doutorado foram dentro de florestas remanescentes privadas (no mestrado do DAAE de Jundiaí e no doutorado do Sr. Augusto Feliciano), que geraram artigos, mas também livros e manuais de orientação científica para aplicação pratica do conhecimento científico. 

Defesa de doutorado de Julia Raquel Mangueira, com demais colegas. Uma entre os mais de 100 alunos de mestrado e doutorado que foram orientados pelo professor Ricardo.


No entanto, na Biologia e nos demais cursos da área de biológicas da época, ainda não se pesquisava Ecologia da Restauração e muito menos Restauração Ecológica, que eram temas muito novos e muito pouco aceitos na academia. Mas minha teimosia, apoiada pelos meus docentes, principalmente os Profs Carlos Joly, Hermógenes de Freitas Leitão Filho e Paulo Kageyama e em parceria com meu colega de ESALQ, o Prof. Dr. Sérgius Gandolfi, nos fez entrar com toda força na restauração ecológica como forma de aplicar na prática todo o conhecimento científico que tínhamos acumulado até o momento na biologia. Muito disso foi devido à minha característica de sempre estar buscando que as coisas aconteçam na prática. Inicialmente fui, assim como outros poucos pesquisadores que também entraram nessa área de restauração, muito criticado pelos meus colegas da academia, pois a restauração ecológica não era entendida como uma área científica. Insistimos nisso sempre, criando em 1998 o LERF (Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal) ligado ao Depto de Ciências Biológicas da ESALQ, o que gerou muitos comentários e críticas. Mas como conseguimos gerar conhecimento científico e pesquisadores de qualidade no tema, com muitos exemplos de aplicação prática em campo, em função da nossa boa base teórica. Hoje, a maioria dos pesquisadores que nos criticaram no passado ou defendem a restauração ecológica como ciência, ou nos reconhecem como um dos pioneiros científicos da restauração florestal, ou até pesquisam restauração ecológica. 


Atividades do Programa de Adequação Ambiental desenvolvidos pelo LERF 

3. Qual o impacto do seu trabalho na sociedade e no meio ambiente?

Como direcionei todas as minhas atividades científicas para conservação e restauração de formações naturais, considero que provoquei grande impacto na sociedade. As ações do LERF já contribuíram com a conservação e recuperação de mais de 150 mil ha de fragmentos florestais remanescentes e com a restauração ecológica de mais de 20 mil ha de áreas degradadas, que foram transformadas em formações naturais, todas dentro da propriedade privada em diferentes regiões do Brasil e também do exterior (por exemplo: Colômbia, Chile, Paraguai, Moçambique e Uganda). O LERF já aplicou o Programa de Adequação Ambiental e Agrícola de Propriedades Rurais em mais de 4 milhões de ha de propriedades rurais privadas, onde essas florestas foram protegidas e/ou restauradas, contribuindo assim, com a regularização de milhares de propriedades rurais à legislação ambiental brasileira e também com o planejamento ambiental e agrícola dessas propriedades. Além da capacitação desses proprietários para a efetivação dessas ações no campo.

Disciplina de Adequação Ambiental de Unidades de Produção, com Ênfase para a Restauração de Áreas Degradadas ministrada na Ilha Anchieta, em 2008


Nossa maior contribuição para o ambiente foi conseguir, com a ajuda de muitos outros pesquisadores que atuaram na discussão da nova lei ambiental no Brasil, incluir o conceito do Programa de Adequação Ambiental, que desenvolvemos no LERF há mais de 20 anos, na legislação ambiental brasileira (Lei 12.651 de 2012), através do CAR (Cadastro Ambiental Rural), do PRA (Programa de Regularização Ambiental) e do PRADA (Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas e Alteradas), que são obrigatórios para todas as propriedades rurais do Brasil. A nova lei tem muitos retrocessos ambientais, que não conseguimos evitar, mas o diagnóstico e regularização ambiental obrigatória para todas as propriedades rurais brasileiras foi um grande avanço, que deverá ter resultados significativos na melhoria ambiental do Brasil num futuro próximo. Outra contribuição do LERF foi desenvolver e testar em campo várias técnicas de restauração ecológica, cada uma mais adequada para cada situação de degradação. Estas têm sido muito replicadas na prática, permitindo avanço científico no tema restauração ecológica no Brasil e também potencializando a relação de custo eficiência das ações de restauração.

Disciplina de Adequação Ambiental de Unidades de Produção, com Ênfase para a Restauração de Áreas Degradadas ministrada na FLONA de Ipanema, no feriado de páscoa em 2019.


4. Quais os principais desafios que você enfrenta?

Além do desafio passado de trabalhar com restauração na academia, onde ninguém trabalhava e acreditava, considero que meu maior desafio atual é conseguir formar pessoas muito competentes, não apenas para gerar conhecimento científico de qualidade, produzindo artigos de impacto, mas que também estejam preocupadas com a efetivação da aplicação desse conhecimento no campo, favorecendo assim a mudança de comportamento da sociedade como um todo, principalmente focando numa sociedade rural que é mais reticente, para torna-la mais justa socialmente e mais equilibrada ambientalmente. Posso exemplificar isso com a mudança ambiental que aconteceu dentro da ESALQ nas últimas décadas com nossa atuação permanente e determinada junto ao corpo docente da ESALQ. Focar nossas pesquisas em temas que nos destacam como cientistas internacionalmente é muito importante, mas focar também como esse conhecimento gerado pode ajudar efetivamente na melhoria do nosso ambiente e da sociedade local, p.ex. sustentando políticas públicas social e ambientalmente mais equilibradas ou contribuindo com a efetiva regularização ambiental em campo das propriedades rurais brasileiras, etc, também são muito importantes na atuação acadêmica e devemos sempre estar muito atentos de como equilibrar bem isso.  


*Bio: Biólogo formado na UNICAMP em 1982, professor do Depto de Ciências Biológicas da ESALQ/USP desse 1987 e atualmente (desde 2001) professor titular da Universidade de São Paulo. Coordena o Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (LERF/ESALQ/USP) que já formou mais de 100 mestrando, doutorandos e pós doutorandos, além de dezenas de alunos de iniciação científica. Já publicou mais de 200 artigos científicos e quase 100 livros e capítulos de livros. Foi ainda coordenador do Programa BIOTA da FAPESP por 5 anos. Contato: rrresalq@usp.br

 

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