Mês da Ecologia – Entrevista Ricardo Bovendorp

Ricardo Bovendorp. Ecólogo pela UNESP, doutor em Ciências (Ecologia Aplicada) pela ESALQ – USP e atualmente é professor visitante da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC. Possui conhecimento em História natural, Biologia da Conservação e Modelagem. Em sua linha de pesquisa busca entender como as perturbações humanas: defaunação, fragmentação florestal e mudanças climáticas afetam a ocorrência e distribuição de mamíferos.

 

O que te levou a fazer ecologia? Qual sua trajetória? Qual sua área de atuação? Como você chegou onde está hoje?

Quando eu era criança meu avô comprou um pedaço de terra em Minas Gerais, e eu lembro de frequentar essas terras desde muito pequeno, andando pelas matas em busca de aventuras e registros de animais. Meu avô não tinha intenção de exploração agrícola na área, pois era um apaixonado pela natureza e conservava toda a floresta. Quando eu era adolescente fui morar na Bahia por conta do trabalho da minha mãe, e morando perto do mar pude conhecer outras belezas naturais e me encantar pelas ciências ambientais. Perto do vestibular decidi estudar algo relacionado a biologia, e foi no manual do estudante da VUNESP que conheci a graduação em ecologia e percebi que era o que eu estava exatamente procurando.

Desde pequeno gosto muito das plantas, mas minha paixão sempre foram os animais. Entrei na faculdade com a intenção de trabalhar com mamíferos, e foi logo no primeiro ano que conheci o Laboratório de Biologia da Conservação (LaBiC) liderado pelo Prof. Mauro Galetti. No ano seguinte o Mauro me ofereceu a oportunidade de desenvolver um projeto na Ilha Anchieta, estudando a dinâmica de populações de animais introduzidos, onde eu passava minhas férias fazendo censo por transecção linear dos mamíferos, o que eu amava. Depois de terminar a graduação trabalhei com consultorias ambientais além de prestar o mestrado na UNESP. No entanto acabei por conhecer o Prof. Alexandre Percequillo e fiz o doutorado direto na Esalq sob sua supervisão. Minha tese foi com história natural de roedores, onde fiz parte de um projeto maior liderado pela Profa. Renata Pardini. Em 2012 tive oportunidade de ir para a Espanha sob supervisão do Prof. Pedro Jordano que me ajudou e ensinou muito, principalmente com a análise de dados da minha tese. Já para defender o doutorado o Prof. Mauro Galetti me convidou para participar novamente do LaBiC como pós-doc, e obviamente aceitei o desafio com muita alegria. De 2014 a 2017 desenvolvemos muitas pesquisas juntos, além de passar um ano na Universidade da Florida, USA como pos-doc associado. Hoje sou cientista do Laboratório de Ecologia Aplicada à Conservação – LEAC e professor visitante na Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus, Bahia.

Ricardo Bovendorp Montando armadilhas Sherman para coleta de pequenos mamíferos


Como a ecologia ajudou na sua carreira? Na sua atuação hoje? O que mais te motivou/motiva em trabalhar nessa área? 

O curso de ecologia quebra o misticismo que se tem sobre a área, e mostra para os alunos como trabalhar com a natureza, e a diferença entre contemplação e ciência. Eu aprendi a entender processos, ver padrões e propor soluções para problemas ambientais, analisando os ecossistemas e interações. Muitos citam o olhar crítico e amplo do ecólogo que busca entender os processos, e realmente o olhar é diferenciado. Esse olhar ecológico que foi passado para nós na graduação é o que eu tento passar para os meus alunos de hoje em sala de aula. O que mais me motiva atualmente, além da busca pessoal pelo entendimento dos processos da natureza, é o olhar de um aluno quando vislumbra estes processos ocorrendo em sua volta. Isso realmente me faz querer sempre continuar na área. 

Atividade de campo em plantio de Cacau (Theobroma cacao L.)


Qual o impacto do seu trabalho na sociedade e no meio ambiente?

Esse assunto é muito importante, pois precisamos passar o conhecimento para frente. Em minha experiência acadêmica e recentemente como professor, vejo uma sociedade carente de informação. Os alunos e a sociedade precisam de conteúdo científico de qualidade, e me sinto na obrigação de não deixar este conhecimento estancado. Como profissional formado em Universidade Pública, bancado pelo dinheiro do contribuinte brasileiro, me sinto na obrigação de levar o conhecimento adquirido para os quatro cantos do Brasil. Não digo eu que consiga rodar os quatro cantos, mas a informação pode viajar por diversas formas, como por exemplo a comunicação científica numa linguagem simples pelas redes sociais. Não menos importante, através do LEAC estamos em contato com o Ministério Público da Bahia para dar suporte em políticas públicas locais e relacionadas à produção agroflorestal de cacau, que é uma atividade econômica muito forte no sul da Bahia, tornando cada vez mais próximas as interfaces de conservação e economia, auxiliando os produtores e visando a preservação do meio ambiente.




Quais os principais desafios que você enfrenta?

Primeiramente é o negacionismo. Essa é uma doença pior que o Corona vírus, pois não tem nem perspectiva de vacina. Hoje em dia todo mundo acha que sabe de tudo e que não precisa de pesquisa científica para nada. Atualmente vejo crescer a falta de respeito pela ciência, pelos cientistas e educadores no Brasil. E em segundo lugar, os cortes de verba na ciência, e isso não é apenas deste governo atual, (apesar de ter sido um dos piores) já vem acontecendo há muitos anos.

Na minha opinião, acho que estamos deixando de ter um legado de ciência no futuro. Provavelmente vamos deixar um gap intelectual marcado nessa geração. Temo que essas ações de desmonte da pesquisa e das universidades vão gerar ainda mais desigualdade, tornando a população mais estratificada de acordo com o poder aquisitivo, e só quem tiver dinheiro terá chance de instrução. Mas não podemos desistir, temos muito trabalho pela frente, por uma ciência e sociedade e mais inclusiva.


Comentários

  1. Excelente entrevista! Parabéns pela bela trajetória!!

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  2. Parabéns Ricardo! Também sou ecólogo pela UNESP RC (formado em 1994). Sou pesquisador na Embrapa Tabuleiros Costeiros (Aracaju, SE) e precisando de parcerias para pesquisa por aqui estou à disposição.

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