Semana da Engenharia Agronômica - Entrevista André Nave

 

 


André Nave é engenheiro agrônomo e diretor da Bioflora, empresa que desenvolve e monitora projetos de restauração florestal.







1. Como você chegou onde está hoje? O que o levou a fazer engenharia agronômica? Qual sua trajetória? Qual sua área de atuação?

 

Para falar a verdade, estava um pouco perdido na época do vestibular, embora tivesse afinidade com a área das ciências biológicas. Em 1987, nas vésperas de prestar vestibular, me interessei por oceanografia, principalmente por ver ali uma carreira de aventura, que não cairia na mesmice. Fui aprovado no Rio Grande do Sul, mas abandonei o curso após um ano e meio. Durante este período, morava numa república com um amigo de Piracicaba, que comentou da ESALQ. Conheci o campus e me apaixonei, mudei do mar para terra. Uma grande mudança, mas que acredito ter uma similaridade, pois ambos são ambientes em que é possível produzir.

 

Vale lembrar que a ESALQ, fundada como uma faculdade de agronomia, possui uma das primeiras áreas restauradas do Brasil em seu parque de árvores nativas, que foram plantadas para enfeitar o campus, servindo assim de exemplo vivo da restauração na agronomia.

 

Tive grande envolvimento com o curso de agronomia, especialmente na área de botânica. No começo estagiei com paisagismo e entrei em contato com Prof. Ricardo Ribeiro Rodrigues, me interessando ainda mais por restauração florestal. Nessa época, comecei a trabalhar para a Fundação Florestal como coletor de sementes independente. Esse trabalho me proporcionou uma visão mais empreendedora da restauração e logo comecei a coordenar a produção de mudas para uma ONG, depois para o setor privado.

 

Quando me formei em 1994, a restauração ecológica dava seus primeiros passos no Brasil, mesmo assim, fiz meu mestrado e doutorado em restauração florestal. No entanto, nos anos 90, a questão ambiental se propagou mais fortemente no país, em parte graças a ECO 92. Aproveitei essa oportunidade mantendo sempre o envolvimento com a academia e ao mesmo tempo com os aspectos práticos da restauração.

 

Hoje sou diretor na empresa Bioflora, que começou com a produção de sementes e de mudas florestais nativas em tubetes, com alta diversidade de espécies, o que era algo extremanete inovador na década de 90. Mas desde sempre participei de projetos com o Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal da ESALQ (LERF), principalmente em projetos científicos e de extensão, focado no desenvolvimento de tecnologias inovadoras. O que me levou a testar e aplicar na prática o conhecimento científico desenvolvido na academia, gerando novos conhecimentos que foram incorporados. Com isso, ao longo do tempo, desenvolvemos diversas pesquisas e novos métodos de restauração, que deixou de ser um mero plantio de árvores com o aprimoramento de seus modelos, técnicas, protocolos, seleção de espécies, preparo do solo, etc. Técnicas relevantes e pioneiras que desenvolvemos com parceiros, tais como o uso de grupos de recobrimento e diversidade, o plantio total escalonado, a semeadura direta funcional de nativas e de adubação verde, o uso de fertilizantes de liberação controlada, a criação de modelos para retorno econômico, entre outras. Alguns exemplos atualmente usados em grande escala na restauração no Brasil e outros cantos do mundo.

 

A Bioflora sempre teve como foco o desenvolvimento de tecnologia na restauração, o que nos levou a realizar diversas consultorias e cursos de capacitação, atendendo instituições de todos os setores. Levamos sempre o que tem de mais inovador em restauração para todo o Brasil e outros países da América Latina e da África. Nessa jornada, sempre adquirimos novos conhecimentos, pois cada ambiente a ser restaurado possui características específicas, não tem rotina, e isso traz uma bagagem incrível para nossa equipe. Hoje vejo neste trabalho um pouco da aventura que buscava na primeira vez que prestei vestibular.


2. Como a Engenharia Agronômica ajudou na sua carreira? Na sua atuação hoje? 

 

A principal contribuição da agronomia para mim foi o olhar além da comunidade vegetal da floresta e suas interações. A recuperação do solo é fundamental para sustentar uma floresta e, por isso, ele participa diretamente do processo de restauração. Por muito tempo ignoramos o solo na restauração, pensávamos em escolher as espécies mais adaptadas e desenvolver melhores metodologias, mas negligenciamos o preparo e adequação do solo para fornecer as condições mínimas para o desenvolvimento da vegetação nativa. Em função disso, mesmo depois de formado, busquei cursos de especialização em manejo de solo que me ajudaram muito na restauração, mas esse conhecimento teve que ser adaptado, pois são voltados para a agricultura ou produção de florestas exóticas.

 

 

3. O que mais lhe motivou/motiva em trabalhar nessa área?

 

O que me motivou a cursar agronomia foi a grande afinidade com a natureza que sempre tive. Desde pequeno, meu avô me levava para visitar um sítio em Batatais – SP. Eu não queria saber de curral ou plantações, queria mesmo era correr para a mata nativa que cercava uma cachoeira e admirá-la. Isso fez com que me apaixonasse cada vez mais pelas florestas e me interessar por trabalhar para sua restauração e conservação.

 

  

4. Qual o impacto do seu trabalho na sociedade e no meio ambiente?

 

São muitos e talvez incontáveis os benefícios que uma floresta com alta biodiversidade pode trazer para sociedade e acredito que, além de guardar centenas de milhares de espécies, o principal é manter a regulação climática do planeta. As consequências do desequilíbrio causado pelo desmatamento e pelas queimadas já estão acarretando prejuízos incalculáveis para o ser humano. Para perceber isso, basta ligar o noticiário na TV. Para além, nosso trabalho não busca apenas restabelecer os processos ecológicos e serviços ambientais de uma floresta restaurada, mas também promover benefícios sociais como a geração de emprego e de renda ao longo de toda a cadeia de produção e serviços ligados à restauração florestal.


5. Quais os principais desafios que você enfrenta?

 

Hoje, o principal desafio é, sem dúvida, a política atual que vem desmontando e desarticulando todas as conquistas que tivemos ao longo do tempo. O Brasil deixou de ser o exemplo na conservação e preservação ambiental e passou a ser criticado pela maior parte dos países por meio de ações irresponsáveis e o negacionismo adotado recentemente com relação a degradação de nossos recursos naturais. Nosso trabalho é de “formiguinha” perto desse universo muito maior que envolve os interesses políticos e econômicos. Extremamente importante, mas se não tivermos políticas públicas ambientais de conservação efetivas, nosso trabalho terá pouco efeito no curto e médio prazo. Infelizmente, o que se recupera ainda é muito pouco perto do que se destrói. Em pequena escala, onde atuamos diretamente, o desafio é baratear a restauração florestal e desenvolver novas tecnologias, cada vez mais eficientes. É isso que buscamos incansavelmente. 

 

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