Perspectivas florestais na Amazônia
Por Saulo E. X. Franco de Souza
A palavra Amazônia ecoa frequentemente em qualquer iniciativa para solucionar ou minimizar a crise global relacionada às mudanças climáticas e biodiversidade, devido à sua grandeza em termos de território, diversidade biológica e sociocultural, além da importância ao clima continental e global. Apesar de existir variadas formações vegetais na extensa bacia Amazônica, a vegetação é predominantemente florestal. Dentro deste contexto, algumas questões básicas emergem ao passar da retórica à ação, e precisam ser examinadas, por exemplo: Como manter as florestas em pé e saudáveis frente a pressão insistente do desmatamento e degradação? Qual a proporção do território que seria necessária para conservar a biodiversidade? Como restaurar milhões de hectares de florestas biodiversas e complexas que foram destruídas ou degradadas? E como fazer isso numa extensa região que abrange vários países e que ocupa mais da metade do território brasileiro?
Na região da Amazônia, ao mesmo tempo em que ainda existem populações indígenas com pouco ou nenhum contato com o modo de vida hegemônico, existem muitas cidades, algumas inclusive, verdadeiras metrópoles tropicais. O histórico de ocupação é tão antigo quanto alguns milhares de anos, entretanto ainda existem muitas localidades (re)ocupadas recentemente - há poucas décadas - por imigrantes de outras partes do país. Ainda existem florestas ancestrais, cada vez mais florestas em regeneração, e uma crescente população humana, que necessita de bens e serviços que as florestas proporcionam. Entretanto, de modo geral, as florestas não são fontes da maior parte dos alimentos consumidos nas cidades, que concentram a maior parte da população, conferindo assim às atividades agrícolas papel fundamental para a segurança alimentar e nutricional. Então, nos perguntamos: Como conciliar a conservação e restauração florestal com as atividades agrícolas? Como melhorar a qualidade de vida das populações amazônicas? Como ajustar as soluções ambientais ao contexto socioeconômico e institucional, extremamente diversificado, de cada local dentre o universo amazônico?
Figura 1 – Araracanga (Ara macao) se alimentando de ingá-xixica (Inga alba) no sul da Amazônia. Relações planta-animal são essenciais para o funcionamento ecológico e estrutura das florestas tropicais. Foto: Jeferson Sampaio
Respostas a estas perguntas envolvem uma série de fatores ambientais, sociais, econômicos e políticos intrincados. Contudo, dentre as perspectivas florestais que podem compor respostas a estas questões amazônicas e globais atuais, destacam-se a conservação, manejo e restauração florestal e a agrossilvicultura. Tais estratégias possuem alto potencial para mitigação das emissões de gases do efeito estufa, estimadas pelo Painel Intergovernamental de Mudanças climáticas (IPCC) para as próximas décadas1. A redução das emissões de carbono do Brasil passa pela redução do desmatamento das florestas amazônicas e para isso, o estabelecimento de áreas protegidas e zerar o desmatamento ilega lsão indispensáveis . Pelo alto nível de biodiversidade e potencial de fixação de carbono, os ecossistemas florestais amazônicos são considerados dentre as áreas prioritárias para conservação e restauração florestal. As Unidades de Conservação (UC), ora de proteção integral ou de uso sustentável, territórios indígenas e quilombolas, numa compreensão mais ampla, constituem as áreas protegidas com reconhecido efeito na prevenção do desmatamento2 e salvaguarda das riquezas da diversidade biológica e sociocultural amazônicas.
Um recente posicionamento da Coalizão Brasil3, iluminam caminhos eficazes de curto prazo para combater o desmatamento através de seis ações prioritárias. Dentre elas, consta a destinação de 10 milhões de hectares, disponíveis no Cadastro Nacional de Florestas Públicas, à proteção e usos sustentável em regiões de forte pressão de desmatamento. Em termos de disponibilidade de terras, esta ação é extremamente viável, uma vez que esta área corresponde a menos de 4% das florestas públicas cadastradas, como pode ser observada na atualização de 20194. Dentre a Amazônia Legal, 25% do território é destinado a UC federais e estaduais atualmente5. Apesar de não ser possível afirmar uma proporção territorial mínima para conservar a diversidade biológica in situ, dentre as metas de Aichi da Convenção da Diversidade Biológica, 17% da superfície terrestre e aquática de cada nação signatária deveria ser destinada a conservação6. O Brasil obteve avanço em áreas marinhas, mas continuou abaixo da meta nas terrestres, com 12%. Metas podem contribuir para o alcance de políticas ambientais, mas está certamente abaixo do que apontam os primeiros estudos a esse respeito, com valores ao redor de 50%7.
Figura 2 – Sistemas silvipastoris que se harmonizem com os remanescentes florestais representam soluções tecnológicas para intensificação sustentável na fronteira agrícola amazônica. Foto: Saulo Souza.
Apesar de existir mais de 115 milhões de hectares de terras indígenas na Amazônia Legal8 (28% do território), correspondendo a aproximadamente 28% do território, ainda existem inúmeras reivindicações para oficializar novas TI, por parte dos povos indígenas, ainda sem o direito adquirido. Entretanto, estima-se que 25% destas áreas esteja ameaçada pela mineração e sofrem pela ação criminosa de madeireiros e grileiros8. O estabelecimento de áreas protegidas se insere no contexto desafiador da regularização fundiária e o avanço das fronteiras agrícolas na Amazônia. A agricultura já ocupa 50% das terras habitáveis do planeta9. Na Amazônia Legal, a área ocupada pela agropecuária praticamente triplicou nos últimos trinta anos, chegando a 14% do território em 201910. No entanto, existe alta desigualdade na distribuição da posse de terra, sendo na Amazônia, um reflexo dos números nacionais de que 10% dos imóveis rurais detém 73% das terras agrícolas11. E como implicações desta desigualdade, cerca de 20% da produção de soja e carne para exportação na Amazônia e Cerrado advém de desmatamento recente, principalmente ilegal, sendo apenas 2% das propriedades analisadas, responsáveis por 62% da área total desmatada12.
Com o avanço da tecnologia aplicada à prática agropecuária, sabemos que não é necessário derrubar mais florestas para produzir mais. A intensificação sustentável nas áreas já disponíveis, ou a recuperação da capacidade produtiva de áreas com alto potencial agrícola que estejam degradadas seria suficiente. O desenvolvimento de uma agricultura sustentável nessa região passa pela incorporação de elementos florestais, que além de desempenharem funções agroecológicas, podem trazer maior rentabilidade ao agricultor pela diversificação da produção. Além disso, para se adequar a legislação vigente e as necessidades de restabelecer a qualidade ambiental, conservação dos solos e dos recursos hídricos, necessária a plena realização da agricultura, a restauração florestal pode ser visto como investimento nas propriedades agrícolas. Um estudo recente identificou as áreas prioritárias para restauração ecológica em escala mundial, dentre as quais figuram as florestas convertidas em pastagens e lavouras da região conhecida como arco do desmatamento da Amazônia, de modo que a restauração de 30% das áreas prioritárias levaria a resultados expressivos em termos de biodiversidade e clima13. E ainda, tornar as florestas remanescentes produtivas pode conferir maior incentivo para mantê-las em pé. Aplicar os conceitos do manejo florestal de uso múltiplo, isto é, considerando integralmente os múltiplos benefícios sociais, econômicos e ambientais das florestas, no planejamento de paisagens produtivas certamente contribuirá para o desenvolvimento de uma bioeconomia amazônica.
**O texto acima é um artigo de opinião, e não representa a opinião de todos os membros do NewFor ou de seus órgãos financiadores.
Saulo Eduardo Xavier Franco de Souza: Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade de Mogi das Cruzes (2005), Mestre em Ciência Florestal pela Universidade Estadual Paulista (UNESP - Botucatu, 2009) e Doutor em Ciências pelo PPG Recursos Florestais da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (ESALQ/USP, 2014). Atualmente, realiza experimentos agroflorestais e silvipastoris com espécies do gênero Inga, como pesquisador em pós-doutoramento pela Universidade de Exeter. Também atua em pesquisas sobre aspectos ecológicos e socioeconômicos do manejo de produtos florestais não madeireiros (PFNMs) de base comunitária nas regiões da Mata Atlântica e Amazônia. Já realizou estudos sobre a comunidade arbórea da Serra do Mar paulista e pesquisas aplicadas às espécies nativas manejadas. Tem experiência como consultor e assessor ambiental e florestal em diversas regiões brasileiras.
Referências
https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/11/03_Technical-Summary-TS.pdf
Walker, W. S. et al. The role of forest conversion, degradation, and disturbance in the carbon dynamics of Amazon indigenous territories and protected areas. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 117, n. 6, 2020, p. 3015–3025.
https://www.cbd.int/doc/strategic-plan/2011-2020/Aichi-Targets-EN.pdf
Soulé, M.E.; Sanjayan, M.A. Conservation targets: Do they help? Science, New Series, v. 279, n. 5359, 1998, p. 2060-2061.
https://www.imaflora.org/public/media/biblioteca/1588006460-sustentabilidade_terras_agricolas.pdf
Rajão, R. et al. The rotten apples of Brazil`s agribusiness. Science, v. 369, n.6501, 2020, p.246-248.
Strassburg et al. Global priority areas for ecosystem restoration. Nature, 2020. https://doi.org/10.1038/s41586-020-2784-9
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