Modelagem ambiental aplicada à regularização ambiental de imóveis rurais
Por Frederico Miranda
Como representar algo tão complexo como um processo biológico qualquer, em uma equação matemática, em um mapa ou em um fluxograma? E, a partir desta representação, poder entender, parcialmente, a complexidade do processo? Isso é exatamente a função dos modelos ambientais.
Para a representação da realidade, que por natureza é complexa, os modelos adotam a abordagem reducionista, ou seja, redefinem conceitos, unidades e relações em termos mais básicos, simples e generalistas. Esta abstração da realidade aliada a um conjunto de técnicas analíticas permitem uma visão mais inteligível do fenômeno estudado, fazendo com que os modelos sejam promissores na otimização da extração de informações dos dados utilizados. Estas particularidades permitem aos modelos compararem previsões de alternativas reais ou fictícias (cenários) que são de grande valia para o planejamento, pesquisa e comunicação científica. Há vários tipos de modelos, com diferentes linguagens e metodologias (ex. modelos matemáticos, modelos de sistemas, modelos preditivos e modelos gráficos) direcionadas às diferentes áreas do conhecimento (ex. hidrologia, geomorfologia, ecologia, uso e ocupação do solo, etc). A sua classificação é extensa e um pouco confusa, motivo pelo qual não será abordada aqui.
No âmbito do Projeto NewFor, a modelagem ambiental será empregada em várias frentes de pesquisa, cada qual com suas particularidades metodológicas. Aqui, vamos focar nos modelos preditivos espacialmente explícitos, aqueles elaborados em um sistema espacial e que preveem a evolução do fenômeno (output) quando modificados os determinantes espaciais (inputs). Esse tipo de modelo permite, com certas restrições, responder, onde, quando, e qual intensidade e probabilidade tal processo ocorre com base nas informações históricas da dinâmica do uso e ocupação do solo.
A aplicação deste modelo fará parte da minha tese de doutorado que tem como título “Papel da regeneração natural na regularização ambiental dos imóveis rurais localizados no domínio da Mata Atlântica do Estado de São Paulo”, cuja orientação será do Prof. Paulo Guilherme Molin e co-orientação do Prof. Pedro Brancalion. O papel da regeneração natural na restauração de ecossistemas terrestres e, portanto, na regularização ambiental, tem tido destaque devido à sua larga escala de abrangência. A conversão natural do uso agropecuário para florestas nativas, termo conhecido como transição florestal (MATHER; NEEDLE, 1998), já é evidente em algumas regiões do Brasil (AIDE et al., 2013; BAPTISTA; RUDEL, 2006; MOLIN et al., 2017; REZENDE et al., 2015; ROSA et al., 2021). A modelagem espacialmente explícita tem sido utilizada para quantificar e conhecer a trajetória espaço-temporal desta transição florestal. Para isso, estes modelos utilizam informações geográficas que representam contextos biofísicos, políticos, sociais, econômicos como variáveis preditivas, chamadas aqui de determinantes espaciais.
A composição dos determinantes a serem utilizados na modelagem faz parte da etapa de abstração da realidade. Christofoletti (1999) salienta que não é a realidade em si que se encontra representada pelo modelo, mas sim a visão dos pesquisadores e a maneira de como eles percebem e compreendem a realidade, representada aqui pela regeneração natural. Logo, a etapa de abstração deve ser baseada no conhecimento dos envolvidos, de forma que o detalhamento seja feito no essencial, diminuindo a subjetividade da composição. Outro aspecto a se considerar nesta etapa é a disponibilidade de dados secundários públicos e de boa qualidade, fundamentais para o aumento da acurácia dos modelos.
Figura 1. Imagem baseada na parábola “Os Cegos e o Elefante” originária do subcontinente Indiano. É usualmente utilizada como uma crítica à abordagem reducionista, a mesma utilizada na modelagem ambiental, na qual tem como tese que as propriedades do todo (realidade) podem ser explicadas pelas propriedades de suas partes.
Dentre os determinantes espaciais selecionados até então, estão: altitude do terreno, declividade, face de exposição e formas do terreno; tipos de solo; fitofisionomias; distância dos remanescentes florestais e áreas urbanas; cobertura florestal da vizinhança; uso antecedente do solo; distância dos corpos d’água; distância das rodovias e estradas; precipitação anual; temperatura média anual; déficit hídrico; densidade demográfica; renda per capita domiciliar; produto interno bruto (PIB) e malha fundiária (pequeno, médio e grande imóveis rurais, com limites provenientes do Cadastro Ambiental Rural). Já o histórico da transição florestal (regeneração natural) será baseado nos mapeamentos realizados pelo Projeto Mapbiomas no período de 1988 a 2017.
Neste primeiro momento, os questionamentos serão os
seguintes:
Quais são os determinantes espaciais que mais influenciam a ocorrência da regeneração natural nas diferentes ecorregiões do Estado de São Paulo (Planalto Ocidental, Depressão periférica, Planalto Atlântico da Serra do Mar e Província Costeira da Serra do Mar)? Existem diferenças entre estas regiões?
Qual foi a porcentagem de contribuição de área que a regeneração natural teve na regularização ambiental dos imóveis rurais de acordo com a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (nº12.561 de 2012) no Estado de São Paulo no período avaliado (1988 a 2017)?
Em um segundo momento serão avaliadas as previsões de 2018 a 2047. As previsões levarão em consideração dois cenários: i) Business as usual (BU), continuação dos padrões observados durante o período avaliado, sem nenhum tipo de limitações quanto aos locais e porcentagens de ocorrência da regeneração natural dentro dos imóveis rurais; e ii) Aplicação da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (LPVN), a modelagem da regeneração natural somente se dará dentro dos limites das Áreas de Preservação Permanente e da porcentagem designada às Reservas Legais dos imóveis rurais com déficit de vegetação nativa. Neste cenário, a modelagem da regeneração natural será interrompida nos imóveis rurais em que o déficit de vegetação nativa esteja completamente eliminado no decorrer do período avaliado. A partir desses resultados obtidos serão respondidos os seguintes questionamentos:
● Qual foi a porcentagem de contribuição de área que a regeneração natural teve na regularização ambiental total ou parcial dos imóveis rurais nos cenários BU e LPVN?
● Quantos e quais imóveis rurais possuem potencial de se regularizaram ambientalmente ao longo do tempo nos cenários BU e LPVN?
● Como o Programa de Regularização Ambiental pode se beneficiar desse modelo?
● Qual será o déficit e o excedente de vegetação resultantes da expansão da regeneração natural nos imóveis rurais nos cenários BU e LPVN?
● Quanto seria a redução de custos, comparado à restauração ativa, caso adotasse a regeneração natural?
● Qual será o custo de oportunidade e qual o potencial de benefícios em sequestro de carbono e conectividade da paisagem?
Por fim, espero daqui alguns anos divulgar no blog NewFor as respostas às perguntas da minha tese que se inicia no 1º semestre de 2021. Caso tenham dúvidas ou curiosidades em relação aos detalhes do estudo, não hesitem em entrar em contato comigo (fredtsmiranda@gmail.com).
Frederico Miranda é Engenheiro Florestal (2012), mestre em conservação de ecossistemas florestais (2016) pela Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) e doutorando da mesma instituição. Atualmente é consultor florestal na Biodendro Consultoria Florestal onde coordena projetos relacionados à modelagem ambiental, sensoriamento remoto, e geoprocessamento voltado à manipulação de banco de dados geográficos aplicados à descrição do uso e ocupação do solo, aos aspectos socioambientais e às análises multicritérios para tomada de decisão.
Referências e sugestões de leitura
AIDE, T. M. et al. Deforestation and Reforestation in Latin America and the Caribbean (2001-2010). Biotropica, v.45, n.2, p.262-271, 2012.
BAPTISTA, S. R.; RUDEL, T. K. A re-emerging Atlantic forest? Urbanization, industrialization and the forest transition in Santa Catarina, southern Brazil. Environ Conserv v. 33, n.3, p.195-202, 2006.
CHAZDON R. L. Regeneração florestal nas paisagens tropicais. In:__. Renascimento de florestas: regeneração na era do desmatamento. São Paulo: Oficina de Textos, 2016. Cap. 14, p. 337-368.
CHRITOFOLETTI, A. Sistemas e Modelos. In_____. (org). Modelagem de Sistemas Ambientais. Editora Edgard Blücher, São Paulo, p. 1-18, 1999.
CROUZEILLES, R. et al. Achieving cost-effective landscape-scale forest restoration through targeted natural regeneration. Conservation Letters, v.13, n.3, 2020.
MATHER, A. S.; NEEDLE, C. L. The forest transition: a theoretical basis. Area, v.30, n.2, p.117-124, 1998.
MOLIN, P. G. et al. Spatial determinants of Atlantic forest loss and recovery in Brazil. Landscape Ecology, v.32, p.857-870, 2017.
REZENDE, C. L. et al. Atlantic Forest spontaneous regeneration at landscape scale. Biodivers Conserv, v.24, p.2255-2272, 2015.
ROSA, M. R. et al. Hidden destruction of older forest threatens Brazil’s Atlantic Forest and challenges restoration programs. Sci. Adv, v.7, 2021.
RUDEL, T. K. et al. Forest transitions: towards a global understanding of land use change. Glob Environ Change, v.15, n.1, p.23-31, 2005.
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