O que define a capacidade de uma floresta regenerar sozinha?

Por Catarina Jakovac


As florestas regenerantes são também conhecidas como florestas secundárias - normalmente em estudos de sucessão ecológica - ou regeneração natural - principalmente no contexto da restauração ecológica. Estas florestas são componentes importantes das paisagens rurais e muitas vezes são o único tipo de floresta que sobrou na região. Imersas em paisagens transformadas pela agricultura e pastagem, as florestas regenerantes oferecem habitat a uma grande diversidade de plantas e animais, ajudam a proteger os solos e as águas da microbacia, ajudam a conectar remanescentes florestais, e sequestram carbono a taxas 11 vezes mais elevadas do que florestas maduras (Poorter et al 2016). Estas formações, portanto, são essenciais para a restauração e conservação da biodiversidade. 

No entanto, não é em todo lugar que a floresta consegue regenerar sozinha rapidamente. As taxas de regeneração variam enormemente entre localidades e até dentro de uma mesma paisagem. Essa variação é resultado de fatores que atuam em diferentes escalas e determinam, por exemplo, a taxa de crescimento das árvores, a taxa de colonização de novas espécies e quais espécies regeneram. 

Em uma escala mais ampla, o clima e o tipo de solo determinam a taxa de crescimento da vegetação. Florestas úmidas crescem mais rápido que florestas secas devido à grande disponibilidade de água ao longo do ano todo, o que permite o crescimento contínuo das plantas. O pool de espécies também é diferente entre regiões e permite diferentes estratégias de regeneração. Nas florestas úmidas, a regeneração começa com a germinação em massa de poucas espécies de crescimento rápido, as pioneiras, enquanto nas florestas secas a regeneração começa com espécies que conseguem rebrotar, sejam elas pioneiras ou de estágios sucessionais avançados. Assim, o clima e a biogeografia explicam as diferenças entre biomas, por exemplo entre a Amazônia e as matas secas da Mata Atlântica. 

Dentro de um mesmo tipo de vegetação, a regeneração é regida por dois principais componentes da sucessão ecológica, propostos por Pickett em 1987: a disponibilidade de espécies e a performance das espécies. Ou seja, para uma floresta conseguir regenerar é preciso i) que as espécies estejam disponíveis para colonizar a área que foi abandonada e ii) que as espécies que chegaram ali tenham condições de crescer saudáveis. A disponibilidade de espécies vem do banco de sementes/propágulos e da chuva de sementes, que são respectivamente afetados pelo uso prévio do solo e pelas características da paisagem. Uma vez que a espécie esteja na área, a sua performance (i.e., o sucesso de estabelecimento e a taxa de crescimento) dependerá da qualidade do solo e da competição com espécies agressivas que estão presentes em paisagens alteradas, os quais são resultado do uso prévio do solo. 

As características da paisagem como a proximidade aos fragmentos florestais e o tipo de matriz agrícola definem a densidade e composição da chuva de sementes. Por exemplo, em paisagens de agricultura de corte e queima, as florestas regenerantes predominam na paisagem junto a pequenos roçados (em média 1 ha na Amazônia), permitindo que muitas espécies sejam dispersas. Esta é uma situação comum nas paisagens ribeirinhas Amazônicas. Em outro extremo estão as paisagens dominadas por extensas pastagens e/ou agricultura mecanizada, onde existem poucas florestas remanescentes e a matriz agrícola é pouco permeável à fauna, resultando em uma baixa dispersão de sementes e portanto uma baixa disponibilidade de espécies chegando na área. Esta situação é comum na Mata Atlântica e no chamado arco do desmatamento da Amazônia.

O uso prévio do solo determina a densidade e composição do banco de propágulos no solo e as condições locais para a performance das espécies, como a qualidade do solo (física e química) e a competição com espécies agressivas. Por exemplo, um pasto que foi queimado muitas vezes, terá um banco de propágulos empobrecido porque apenas as espécies com elevada capacidade de rebrota e aquelas com sementes resistentes à dissecação e fogo sobreviverão. Além disso, a grama das pastagens diminui a performance das espécies, ao reduzir o sucesso de germinação e a taxa de crescimento. Assim, apenas um pequeno subgrupo de espécies é capaz de chegar ao local, germinar e crescer. 

Portanto, na escala local, a combinação do uso prévio do solo e das características da paisagem definem as condições para a regeneração florestal, ou seja, a capacidade de regeneração natural e sua integridade ecológica. Onde há elevada disponibilidade de espécies e boas condições de crescimento, a regeneração será rápida e com elevada diversidade e, portanto, com alto sucesso de restauração. Mas onde há pouca disponibilidade de espécies e condições ruins para seu desenvolvimento, a regeneração natural será lenta e de baixa diversidade. Nestas condições, o plantio de árvores e/ou o manejo da regeneração natural devem ser necessários para a restauração ecológica. 

O diagnóstico das condições da paisagem e do uso prévio do solo é, portanto, um passo essencial no planejamento espacial da restauração, na seleção da técnica a ser usada e até mesmo na seleção das espécies a serem usadas, seja em plantios em área total ou de enriquecimento. 

Para saber mais sobre como o uso da terra e as características da paisagem afetam a capacidade das florestas regenerarem, acesse nossa revisão da literatura que acaba de ser publicada na Revista Biological Reviews (http://doi.org/10.1111/brv.12694). 


Figura 1. Vista aérea de uma paisagem de agricultura de corte e queima em Tefé, na região do médio Solimões (Amazonas). Pode-se ver o mosaico formado por florestas maduras (abaixo e à esquerda), florestas secundárias de diferentes idades e roçados. Nesse sistema, a regeneração natural é responsável pela produtividade dos roçados e pela resiliência do sistema socio-ambiental. 


Figura 2. Esquema conceitual representando as condições para a regeneração natural dependendo das características de integridade da paisagem e intensidade de uso prévio do solo. A capacidade e a integridade ecológica da regeneração natural estão indicadas dentro dos círculos e são uma resposta às condições para a disponibilidade de espécies e performance das espécies que são definidas pelos eixos vertical (paisagem) e horizontal (uso prévio do solo). 


Catarina Jakovac é bióloga, iniciou sua trajetória para a restauração de ecossistemas no LERF (ESALQ/USP), depois foi para a Amazônia estudar os processos de regeneração da floresta em diferentes condições ambientais e sociais junto ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA. Fez seu doutorado sobre os impactos da intensificação da agricultura de corte e queima na resiliência de paisagens Amazônicas na Universidade de Wageningen, Holanda. Recentemente foi colaboradora do IIS-Rio dentro do projeto de priorização espacial da restauração no Brasil e no globo. Atualmente é pós-doc na Univ. de Wageningen junto à rede 2ndFOR de florestas secundárias.  


Literatura recomendada

Arroyo-Rodríguez, V., Melo, F. P. L., Martínez-Ramos, M., Bongers, F., Chazdon, R. L., Meave, J. A., Norden, N., Santos, B. A., Leal, I. R. & Tabarelli, M. (2017). Multiple successional pathways in human-modified tropical landscapes: new insights from forest succession, forest fragmentation and landscape ecology research. Biological Reviews 92, 326–340.

Vanessa K. Boukili, Robin L. Chazdon. 2017. Environmental filtering, local site factors and landscape context drive changes in functional trait composition during tropical forest succession. Perspectives in Plant Ecology, Evolution and Systematics 24, 37-47.

Jakovac, C. C., Bongers, F., Kuyper, T. W., Mesquita, R. C. G. & Peña-Claros, M. (2016a). Land use as a filter for species composition in Amazonian secondary forests. Journal of Vegetation Science 27, 1104–1116.

Jakovac, C. C., Peña-Claros, M., Kuyper, T. W. & Bongers, F. (2015). Loss of secondary-forest resilience by land-use intensification in the Amazon. Journal of Ecology 103, 67–77.

Jakovac, C.C., Junqueira,A.B., Crouzeilles, R., Peña-Claros, M., Mesquita,R.C.G. & Bongers, F. 2021. The role of land-use history in driving successional pathways and its implications for the restoration of tropical forests. Biological Reviews in press.

Mesquita, R. C. G., Massoca, P., Jakovac, C. C., Bentos, T. V. & Williamson, G. B. (2015). Amazon rain forest succession: stochasticity or land-use legacy? Bioscience 65, 849–861.

Pickett, S. T. A., Collins, S. L. & Armesto, J. J. (1987). A hierarchical consideration of causes and mechanisms of succession. Vegetatio 69, 109–114.

Poorter, L., Bongers, F., Aide, T. M., Almeyda-Zambrano, A. M., Balvanera, P., Becknell, J. M., Boukili, V., Brancalion, P. H. S., Broadbent, E. N., Chazdon, R. L., Craven, D., Almeida-Cortez, J. S. de, Cabral, G. A. L., de Jong, B. H. J., Denslow, J. S., et al. (2016). Biomass resilience of Neotropical secondary forests. Nature 530, 211–214.

Rozendaal, D. M. A., Bongers, F., Aide, T. M., Alvarez-Dávila, E., Ascarrunz, N., Balvanera, P., Becknell, J. M., Bentos, T. V., Brancalion, P. H. S., Cabral, G. A. L., Calvo-Rodriguez, S., Chave, J., César, R. G., Chazdon, R. L., Condit, R., et al. (2019). Biodiversity recovery of Neotropical secondary forests. Science Advances 5, eaau3114.

 

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