Arcabouço legal de proteção da vegetação de Mata Atlântica no Brasil e em São Paulo (parte II)

Por Felipe Rosafa Gavioli

Os fragmentos florestais de Mata Atlântica, localizados em propriedades privadas e não protegidos (eg. APP e RL), estão mais ou menos vulneráveis à supressão regular, a depender do estágio de regeneração da vegetação e do zoneamento no qual a propriedade privada está inserida, se em perímetro urbano ou rural. Grosso modo, a susceptibilidade do fragmento florestal à supressão regular é maior nas zonas urbanas do que nas zonas rurais. Ademais, as possibilidades de supressão regular dos fragmentos em estágio inicial de regeneração são maiores do que as possibilidades para os maciços em estágio médio ou avançado.

O estágio de regeneração da vegetação suprimida regularmente, e a localização geográfica do fragmento em “classes de prioridade” também condiciona o compromisso de compensação ambiental a ser assumido pelo interessado na supressão, conforme os fatores estabelecidos pela Resolução SMA 07/2017, 

Desta forma, a elaboração de um mapeamento dos fragmentos florestais da Mata Atlântica paulista segundo os estágios de regeneração, possibilitaria uma série de modelagens e análises preditivas envolvendo a aplicação dos dispositivos legais, o que possibilitaria responder a perguntas como:

- Qual a relevância dos fragmentos em estágio inicial de regeneração localizados em área comum não protegidana paisagem? É possível traçar estratégias de proteção destes maciços, uma vez que a legislação vigente torna tais fragmentos passíveis de supressão regular?

- Onde estão os fragmentos mais significativos de vegetação nativa secundária em estágio médio de regeneração, localizados em área comum não protegida? Como a expansão dos perímetros urbanos, definidos pelo poder municipal, torna tais fragmentos mais susceptíveis à supressão regular?

- Os maciços florestais em estágio inicial de regeneração e as áreas disponíveis para restauração ecológica (APPs desprovidas de vegetação nativa, por exemplo) estão distribuídos de forma mais ou menos homogênea no estado de São Paulo? Ou o balanço supressão / compensação ambiental poderia ocasionar decremento de cobertura florestal em determinadas regiões paulistas e incremento em outras? As classes de prioridade estabelecidas na Resolução SMA 07/2017 garantem uma compensação ambiental próxima dos sítios de supressão? 

No entanto, a realização de um mapeamento desta natureza apresenta uma série de desafios. 

Um primeiro desafio é relacionado a própria Resolução SMA/IBAMA 01/1994, que define os indicadores de enquadramento da vegetação de Mata Atlântica nos estágios de regeneração. A Resolução é aplicável para a totalidade do território paulista, o que implica em desconsiderar a diversidade fitoecológica e biogeográfica do Estado. Assim, e pela ótica da Resolução, um mesmo conjunto de indicadores é utilizado para caracterizar um mesmo estágio de regeneração em fitofisionomias de Mata Atlântica tão distintas entre si, como a floresta ombrófila densa do litoral, os encraves de floresta decidual do interior, ou as florestas ombrófilas mistas, por exemplo. 

Este “viés” colocado pelo próprio modus operandi da Resolução SMA/IBAMA 01/1994, pode ser superado por uma ampla amostragem de fragmentos florestais classificados, segundo os estágios de regeneração, nas diversas regiões paulistas. Inventários florestais realizados por instituições de pesquisa ou empresas podem compor esta amostragem, que também poderia englobar as autorizações de supressão de vegetação nativa (ASVs) emitidas pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), órgão ambiental competente para autorizar o corte de vegetação nativa em SP desde 2009, conforme ilustra a Figura 1.

 Figura 1. Distribuição espacial dos registros de ASVs em vegetação florestal de Mata Atlântica entre 2009 e 2019.

A emissão destas ASVs por parte da CETESB é baseada em um estudo técnico florestal elaborado por profissional habilitado, que caracteriza a vegetação conforme o estágio de regeneração, ao que um agente credenciado da CETESB, igualmente habilitado, realiza inspeção de campo, de modo a confirmar o estágio de regeneração e tipologia de vegetação indicados no estudo florestal apresentado. 

Esta ampla amostragem dos estágios sucessionais da vegetação pode ser utilizada como base para correlacionar a classificação sucessional de determinado fragmento com as características de inserção deste fragmento na paisagem, a partir do uso de métricas de ecologia de paisagem. 

Em outros termos, o cruzamento da informação classificação dos estágios sucessionais, oriundas de inventários florestais e ASVs CETESB, com mapeamentos de vegetação nativa já existentes (como por exemplo os produzidos pela iniciativa MapBiomas), pode possibilitar a identificação de padrões que vinculem métricas como tamanho médio do fragmento, idade, conectividade, índice de forma, matriz de entorno, etc; com o estágio sucessional, ao que seria possível extrapolar o padrão identificado para o conjunto dos maciços florestais existentes no Estado de SP. 

Parte-se da hipótese de que fragmentos maiores, menos isolados, mais antigos, com menor relação perímetro/área, tenderão a estar mais correlacionados com estágios mais avançados de regeneração; ao passo que fragmentos menores, mais isolados, mais recentes, com maior relação perímetro/área tendem a estar mais degradados, e mais correlacionados com os estágios iniciais de regeneração.

De forma complementar a esta avaliação baseada em aportes de ecologia de paisagem, pode-se também lançar mão da aplicação de índices de vegetação oriundos de sensoriamento remoto, tal qual o NDVI, na perspectiva de verificar se existem diferenças ou padrões de resposta espectral, inclusive temporal, vinculada ao estágio de regeneração da vegetação nativa. 

Ainda no campo das geotecnologias, a mensuração da biomassa florestal com tecnologia LiDAR em parcelas florestais inventariadas e com estágio sucessional conhecido também pode revelar padrões de correlação entre o estágio sucessional e a característica da estrutura do fragmento. O projeto NewFor, ao estabelecer dentre suas metas a elaboração de um mapa dos estágios de regeneração da vegetação de Mata Atlântica no estado de São Paulo, poderá suplantar esta lacuna de conhecimento, oferecendo subsídios para avaliações da aplicação da legislação de proteção destes remanescentes florestais no território paulista e, principalmente, apontando caminhos de melhoria destes dispositivos legais.  


Fragmentos localizados em “área comum não protegida” são aqueles localizados fora de APP, de RL obrigatória e fora de Unidades de Conservação de proteção integral.


Felipe Rosafa Gavioli é Engenheiro Agrônomo, e atualmente doutorando no Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Uso de Recursos Renováveis - UFSCar Sorocaba. É engenheiro da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) - Agência Ambiental de Jundiaí desde 2011.

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