NewFor Entrevista: Ronnie Carlos Peguim

 17 de Junho é o Dia do Gestor Ambiental, e para comemorar essa data fizemos uma série especial de entrevistas com gestores ambientais que atuam em diferentes áreas e que nos contam um pouco sobre suas trajetórias na profissão, suas principais motivações e desafios. Nosso primeiro entrevistado, Ronnie Carlos Peguim, é formado em Gestão Ambiental na ESALQ/USP e atualmente é Analista Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente de Extrema/MG.


1) Como você chegou onde está hoje? O que te levou a fazer gestão ambiental? Qual sua trajetória? Qual sua área de atuação?

Essas quatro perguntas basicamente me levam a contar 13 anos da minha vida a partir de quando descobri que gostava da área ambiental. Isto foi no Ensino Médio de escola pública, onde percebi que gostava das paisagens, biologia, mas também acompanhando os noticiários me sentia indignado por informações sobre desmatamento e geração de lixo sem tratamento, de modo que queria entender por que aquelas situações aconteciam e o que eu poderia fazer para alterar aquele cenário, bem como preservar o patrimônio natural que temos no nosso país.

Desta forma, eu passei no processo seletivo do curso técnico em Meio Ambiente do Centro Paula Souza (ETEC-SP), sendo que lá consolidei minha vontade por atuar na área, pois descobri que poderia trabalhar desde  tratamento de água e esgoto, gerenciamento de resíduos, educação ambiental até gestão da biodiversidade (fauna e flora).

Neste meio tempo que fazia o curso técnico junto com o fim do meu 3° ano de ensino médio, fui pesquisar cursos na área, e fui atrás dos cursos com temática ambiental que existiam no país, como eram avaliados, em que poderia atuar pós formado e, sobretudo, a grade curricular que eles ofereciam.

Ao analisar a diversidade de matérias vinculadas à área ambiental disponíveis no curso de Gestão Ambiental da ESALQ/USP foi que decidi por me tornar Gestor Ambiental, colocando este curso como primeira opção nos vestibulares que prestei. Afinal, quando você já gosta do tema e se depara com nomes conhecidos (ou parte deles) como “Gestão Ambiental Urbana”, “Ecologia Evolutiva Humana”, “Direito Ambiental”, “Gestão da Biodiversidade”, “Gestão de Impactos Ambientais”, “Economia de Recursos Naturais e Ambientais”, “Zoologia”, “Reparação de Áreas Degradas”, “Genética e Questões Socioambientais”, “Microbiologia”, dentre outros temas, é muito gratificante notar o quão diferenciada e abrangente a área ambiental pode ser.

Foi passando no vestibular e iniciando a graduação em Gestão Ambiental que fui ouvir que tanto essa vontade de querer alterar positivamente o ambiente, quanto a compreensão da diversidade de conhecimentos misturados são características cerne dos profissionais da área ambiental. Logo, somos então agentes de mudança ambiental com visão holística, pois é com base nestes princípios que podemos compreender e propor soluções para questões complexas e inter-relacionadas.



Durante os meus 5 anos de graduação, pude aproveitar o possível da estrutura e abertura do ambiente universitário para desenvolver as minhas habilidades profissionais e pessoais, sendo que uma das maiores influências foi ter participado, organizado, coordenado e auxiliado na formação de uma nova geração de estudantes/organizadores do Seminário para Interação em Gestão Ambiental - SIGA, evento anual inteiramente planejado e coordenado por estudantes, principalmente do curso de Gestão Ambiental da ESALQ/USP.

No segundo mês de curso já me voluntariei para contribuir na organização da décima edição deste evento, onde levamos para uma das mesas de diálogo o até então Deputado Aldo Rebelo, relator do processo que dois anos depois geraria o Novo Código Florestal.

Em outras edições conseguimos discutir temas voltados à qualidade da água, o instrumento do licenciamento ambiental, produção e consumo de alimentos, gestão de resíduos, atuação da sociedade civil organizada, entre outros assuntos. A abordagem gerou debates com técnicos, pesquisadores e personagens importantes como Mariely Helena Barbosa Daniel, ex-coordenadora do Programa Vigiágua do Ministério da Saúde; o Prof. Dr. Paulo Affonso Leme Machado (que é um dos maiores nomes do direito ambiental brasileiro); Paulo Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE; Ministério Público Estadual de São Paulo, dentre outros.

Pelo fato do SIGA ser um evento com uma abrangência nacional e com ampla capacidade de propor debates para com a sociedade, pude contribuir mesmo depois de formado, me desligando em 2016, depois de ter dado auxílio direto e indireto na organização de sete edições. Foi por meio deste evento que pude evoluir habilidades de planejamento estratégico, aquisição e gestão de contatos e contratos e a comunicação com diferentes atores previamente e durante as mesas de debates.

Outra oportunidade de ser um agente de mudança local durante minha graduação foi através da participação no Centro Acadêmico de Gestão Ambiental – CAGeA entre as gestões 2010-2011 e 2011-2012 e ser representante discente do curso em 2013, momentos nos quais pudemos desenvolver o Fórum Interno de Gestão Ambiental - FIGA, com objetivo de avaliar o aproveitamento, relevância e inter-relação entre as disciplinas do curso, bem como possíveis lacunas a serem preenchidas. Este fórum, junto ao trabalho dos egressos da época e diálogos com professores, proporcionou a abertura de novas disciplinas ao curso, bem como a mudança de outras disciplinas da grade curricular.

Como o CAGeA foi instituído legalmente em 2003, por meio da figura jurídica de associação e, em 2010 estava em dia com a regularização jurídica e fiscal, podemos pleitear uma cadeira no Conselho Municipal de Defesa Ambiental do município de Piracicaba – CONDEMA, onde tínhamos voz e voto nas decisões ambientais da cidade. Os assuntos levantados na pauta das reuniões do conselho eram trazidos para compreensão em nossas reuniões pelo membro representante do centro acadêmico no CODEMA, onde buscávamos trabalhar o tema também com os estudantes do curso.

Também participei durante graduação do PANGeA – Grupo de Extensão em Sistemas de Gestão Ambiental, em que fui diretor no período 2012-2013, e pude obter formação mais detalhada em certificação ambiental, sobretudo na norma ISO 14.001, e colocar em prática processos de auditoria por meio de uma parceria que tínhamos com a Elring Klinger do Brasil Ltda., empresa da área automotiva localizada em Piracicaba.

Outras influências que não posso deixar de citar são atuações com gestão de resíduos sólidos e processos de extensão universitária como membro do Programa USP Recicla e Museu Luiz de Queiroz, quando pude aproximar o que se é discutido e pesquisado na universidade junto à população Piracicabana e comunidade esalqueana. Também contribui na gestão 2011-2012 da Diretoria da Casa do Estudante Universitário do “Campus Luiz de Queiroz” – CEU, a moradia estudantil onde vivi durante minha graduação.

Esta atuação prévia me auxiliou a conseguir estágio na área de gestão de recursos hídricos, em 2013, na Coordenação de Apoio ao Sistema de Gestão de Recursos Hídricos da Fundação Agência das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Agência PCJ), onde trabalhei no apoio a interlocução dos membros do plenário e câmaras técnicas dos Comitês PCJ, participação na análise de EIA-RIMAs de empreendimentos propostos para instalação nas Bacias PCJ e auxílio na gestão dos processos sob responsabilidade da coordenação.

Com a finalização do meu curso, pude continuar minha atuação na Agência PCJ como analista ambiental vinculado à empresa terceirizada até agosto de 2017, quando fui chamado para tomar posse de um concurso realizado para vaga de analista ambiental da Prefeitura de Extrema, Minas Gerais, onde atualmente trabalho no setor de Licenciamento, Fiscalização e Educação Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente.


2) Como a gestão ambiental ajudou na sua carreira? Na sua atuação hoje? O que mais te motivou/motiva em trabalhar nessa área ?

Atuar no setor de Licenciamento, Fiscalização e Educação Ambiental, sobretudo dentro de um ambiente de gestão municipal, é trabalhar com os diferentes aspectos da gestão ambiental diariamente. Primeiramente, por lidar com recursos escassos de tempo e pessoal, onde todas as demandas ambientais que precisam de análise técnica e processual irão passar pelo setor onde trabalho. Logo, a base administrativa me auxilia a elaborar relatórios de planejamento para minha supervisora e meu gerente, com objetivo de atingir as metas de análise. Por outro lado, a base em recursos humanos me ajuda a dialogar com as 2 técnicas ambientais que estão sob minha corresponsabilidade especificamente para o licenciamento ambiental para definir o roteiro de atividades semanais e diárias e buscar alcançar junto com elas a execução das demandas solicitadas.

Não obstante, a visão de diferentes aspectos socioeconômicos e ambientais facilita a minha compreensão dos estudos e laudos ambientais que acompanham os processos de licenciamento ambiental. Por exemplo, estive avaliando essa semana um processo de construção de um condomínio logístico-industrial de mais de 700.000 m² no município, que também contará com uma usina própria de produção de concreto.

Para esta análise básica precisei de conhecimentos de formação de solos para compreender a geomorfologia da área de instalação dos galpões e usina de concreto; como realizar a de informações geográficas em campo na vistoria que realizei no local para tratá-las corretamente em software de uso livre (Google Earth Pro e QGis) e comparar com base de dados nacional e local da rede hidrográfica em que o município está inserido para comprovar se os limites da Áreas de Preservação Permanente – APP dentro do empreendimento proposto estavam corretamente delimitadas.

Também realizei a leitura de laudos de monitoramento de ruídos de maquinários e memoriais técnico-descritivos de projetos de estação de tratamento de esgotos, onde me embasei nos conhecimentos de cálculos de vazão, remoção de carga poluidora (Demanda Bioquímica de Oxigênio-DBO, Demanda Química de Oxigênio – DQO, dentre outros parâmetros) para validar os dados, juntamente com a legislação ambiental que trata sobre os respectivos temas de poluição sonora, hídrica, atmosférica, etc.



O próprio procedimento de verificação e validação de dados e estudos apresentados no licenciamento ambiental tem base em conhecimentos de gestão de impactos e auditoria ambiental que adquiri no curso de gestão ambiental e continuo aprendendo com a vivência profissional.

Vale ressaltar que toda a análise de um processo ambiental só é possível pela pesquisa ambiental realizada em seus diversos subtemas que se transformaram em políticas públicas, ou seja, leis, decretos, resoluções, deliberações, etc., e que dão as bases de como deve ocorrer o projeto, implantação e operação de um empreendimento de significativo impacto ambiental com respeito a sociedade e minimização quaisquer danos que possam ocorrer ao meio ambiente.

Lembro que este é um exemplo de uma das minhas atividades que desenvolvo como gestor ambiental / analista ambiental. Além disso, o processo de elaboração de pareceres técnicos, as vistorias de fiscalização nas mais de 100 empresas licenciadas localmente e a pesquisa para validação legal de aspectos ambientais de projetos em implantação no município fazem que eu esteja abraçando minha profissão diariamente. Assim sendo, cada nova demanda, empreendimento e reunião de projeto é um motivo para eu realizar da melhor forma possível o papel de agente de avaliação/fiscalização, planejamento e mudança positiva da sociedade.


3) Qual o impacto do seu trabalho na sociedade e no meio ambiente?

Considero a atuação no licenciamento e fiscalização ambiental fundamental para uma sociedade que busca cada vez mais reduzir o seu impacto negativo no planeta. Por isso acredito que a realização dessa função pelos gestores/analistas ambientais é fundamental não só pelo aspecto do controle ambiental sobre as atividades desenvolvidas por pessoas físicas ou jurídicas, mas para sermos um canal para esclarecimento para execução de medidas menos impactantes negativamente ao ambiente.

Como meu contato atualmente está voltado à gestão ambiental no município de Extrema/MG, considero que o impacto da minha ação diária é local, onde eu influencio na manutenção de qualidade do ambiente para os cidadãos do município por meio de cada análise detalhada de projetos e propostas embasadas de condicionantes ambientais, bem como o acompanhamento da execução/operação destes empreendimentos.


4) Quais os principais desafios que você enfrenta?

Um dos principais desafios que estou presenciando neste período de 2020-2021 com certeza é o reflexo da política do atual governo federal, que descredibiliza muito as instituições e ações ambientais. Dentre os principais reflexos está o aumento do questionamento quanto à necessidade de estudos ambientais e início irregular de empreendimentos antes da obtenção da licença ambiental, acarretando muitas vezes na necessidade de corrigir projetos durante as obras, em vez de já prever riscos previamente, que é o principal papel do licenciamento ambiental.

Isso também mostra que há uma grande necessidade de mudança de paradigma que precisa ser feita junto aos empreendedores e à população, que vêem a preocupação ambiental como custo ou empecilho à suas atividades, ou somente um procedimento para busca de um papel assinado.

Precisamos de mais programas e políticas que estimulem a gestão e educação ambiental como um meio de ver o ser humano como integrante e responsável pela conservação do ambiente e com papel central na busca de qualidade de vida de uma população. Lembrando que estamos num sistema fechado, onde todos os impactos de atividades que venham causar degradação ambiental serão sentidos por nós mesmos ou pelos nossos vizinhos. Sejam aqueles que estão ao redor de fábrica com emissão de poluentes atmosféricos; ou a jusante de cursos d’água com ponto de lançamento de efluentes e áreas com má conservação do solo. Sejam vizinhos de outras cidades ou outros países, ou até nossas gerações futuras, que são vizinhas do que estamos realizando hoje.

Por fim, tenho o desafio pessoal de praticar o papel de pesquisar e trabalhar para mudar visões para um desenvolvimento de uma sociedade mais igualitária, em consonância com meio ambiente e respeitando os limites naturais de cada ecossistema, de modo que também tenhamos qualidade econômica. É o que busco a cada dia de atuação como gestor ambiental. 


Comentários

  1. Gostei muito Ronnie. Apesar do Governo Federal, sou mais de sentir que muitos dão pouca importância à questão ambiental, não se preocupam com os impactos, tampouco com o futuro. Mas tem muitos, aí em Minas mesmo, fazendo coisa boa e certa. Parabéns. Que tenha a possibilidade de fazer muito. Abraço.

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