Por Mayra Flores Tavares
A restauração ecológica tem origem nas ciências naturais e possui em seus princípios e definições aspectos predominantemente ecológicos (CESAR, 2021). Porém, os últimos anos tem demonstrado que a inclusão da dimensão social na restauração é essencial e inevitável, já que a sua prática é baseada em crenças, percepções, conhecimentos e comportamentos humanos (HIGGS, 2011). A restauração depende da mobilização de uma complexa rede de atores e principalmente de proprietários rurais, na implantação e manutenção dessas áreas. Projetos de restauração na prática têm maior probabilidade de sucesso quando há o envolvimento do proprietário. Caso isso não ocorra, há risco de áreas que foram restauradas ativamente não serem protegidas de fatores de degradação, como a entrada de gado ou até mesmo incêndios após finalização do projeto. Nesse sentido, o sucesso e a sustentabilidade da restauração dependem da inserção do aspecto social em suas estratégias.
A adesão de proprietários rurais sempre foi um dos maiores desafios para o ganho de escala da restauração. Este fato pode ser observado no Brasil, pela falta de cumprimento de uma das principais leis que envolvem a conservação e restauração da vegetação nativa em áreas particulares, a Lei de Proteção de Vegetação Nativa (LPVN), nº 12.621, 2012. Esta lei, antes conhecida como Código Florestal, teve a sua primeira versão criada em 1934 e até o presente momento não tem sido efetivamente cumprida. Hoje, o país tem um déficit de 19 milhões de hectares de áreas a serem restauradas em áreas protegidas (GUIDOTTI et. al 2017). Ou seja, a existência da lei e de políticas de comando e controle, sozinhas, não fazem com que haja sensibilização e envolvimento dos proprietários rurais na restauração de suas áreas.
O pouco envolvimento do proprietário rural na restauração pode ser atribuído a diversos fatores que influenciam na decisão dos proprietários rurais restaurarem ou não a vegetação nativa da sua propriedade, como, por exemplo, fatores econômicos, falta de área disponível, falta de conhecimento e incentivo, foco nas áreas produtivas e benefícios gerados em curto prazo (TAVARES, 2016). O reconhecimento desse aspecto nos diferentes contextos pode auxiliar em projetos e estratégias de restauração mais adequados para cada local.
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Figura 1: Instrução de plantio de proprietários rurais parceiros da Associação Ambientalista Copaíba. Créditos da Foto: Associação Ambientalista Copaíba
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Outro importante aspecto que deve ser levado em consideração é o sócio cultural, que está intimamente ligado à mudanças da paisagem. A dinâmica da paisagem é uma demonstração da evolução dos processos físicos e intervenções humanas, constitui um link entre o passado e o presente e está em contínua mudança (AHERN, COLE 2012). O Brasil possui um histórico de colonização no qual a mata nativa era vista como um recurso a ser explorado, ou vegetação a ser substituída pelo modelo de cultivo agrícola externo, destinado à exportação (DEAN, 2004). A resistência de alguns proprietários a possuírem mata nativa na propriedade pode ser observada nos próprios termos utilizados para denominar a vegetação: “mato” que é atribuído a planta em local indesejada (“praga”), área “perdida” ou “abandonada”, pasto “sujo” que caracteriza quando uma propriedade começa a ter áreas em processo de regeneração natural (CARVALHO; NODARI, 2007). A concepção de natureza e o seu manejo possuem influência histórico-cultural (PETERSON, 1999). Portanto, a restauração ecológica possui um desafio de quebra de paradigmas da relação homem e mata nativa.
Neste sentido, a década da restauração traz o foco e a oportunidade não só para ampliação das ações de restauração, mas também para as mudanças de paradigmas da sociedade e natureza e compreensão social da importância da restauração ecológica, sendo que para isso é necessário a junção das ciências naturais e sociais (CECCON, 2021). Desta maneira, é importante entender o contexto, envolver a sociedade e buscar respostas para as dificuldades e barreiras da restauração, percepção da vegetação nativa, maneiras de tornar a restauração mais atrativa/produtiva, identificar as melhores maneiras de utilizar o conhecimento local nas estratégias e como fazer com que o proprietário rural faça parte do processo, e não seja apenas uma peça para atingir as metas.
Foto 2: Aporte técnico da Copaíba ao proprietário rural durante todas as etapas do projeto
Créditos da Foto: Associação Ambientalista Copaíba.
“Lutar pelo verde, tendo certeza de que sem o homem e a mulher, o verde não tem cor.”
Paulo Freire
Mayra Flores Tavares. Engenheira Agrônoma, mestre em Recursos Florestais pela ESALQ-USP. Atualmente é a participante brasileira do - 44th UNEP/UNESCO/BMU International Postgraduate Course on Environmental Management for Developing Countries (CIPSEM- EM44), Technische Universität Dresden. Áreas de atuação: restauração ecológica, agricultura sustentável e extensão rural.
Referências:
AHERN, K. A. T. E.; COLE, LYNDIS. Landscape scale–towards an integrated approach. Ecos, v. 33, n. 3/4, p. 6-12, 2012.
CARVALHO, E.B. de; NODARI, E.S. A percepção na transformação da paisagem: os agricultores no desflorestamento de Engenheiro Beltrão – Paraná, 1948-1970. História, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 269-287, 2007.
CECCON, Eliane, Forest Restoration in Times of Crisis: Opportunities and challenges in the human dimension. Forest landscape restoration and social opportunities in tropical world.1. ed. Recife, PE : Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste - Cepan, 2020.
CÉSAR, Ricardo Gomes et al. Forest and Landscape Restoration: A Review Emphasizing Principles, Concepts, and Practices. Land, v. 10, n. 1, p. 28, 2021.
DEAN, W. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Cia. das Letras, 2004. 484 p.
GUIDOTTI, Vinicius et al. Números detalhados do novo Código Florestal e suas implicações para os PRAs. Sustentabilidade em Debate[S.l: s.n.], 2017.
HIGGS, Eric S. 2005. “The Two-Culture Problem: Ecological Restoration and the Integration of Knowledge.” Restoration Ecology 13 (1): 159-64.
PETERSON, A. Environmental ethics and the social construction of nature. Environmental Ethics, Denton, v. 21, n. 4, p. 339-357, 1999.
TAVARES, Mayra Flores. A percepção dos pequenos proprietários rurais sobre a nova Lei Florestal: um estudo de caso em Amparo-SP. 2016. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
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