Banco de sementes do solo: da dispersão da semente ao recrutamento na comunidade vegetal
Por Solange dos Santos Silva
As sementes são muito importantes para as plantas. Elas carregam o embrião que dará origem a um novo indivíduo, permitindo que a espécie se perpetue ao longo do tempo. Contudo, para que isso ocorra é necessário que a semente germine. A germinação é um processo que depende de fatores intrínsecos de cada espécie, como características fisiológicas, mas também das condições bióticas e abióticas presentes no meio que podem estimular ou inibir o processo de germinação, como temperatura, disponibilidade de água e luminosidade. Então, ao germinar, a semente dará origem a um novo indivíduo que poderá se estabelecer no ambiente, crescer e se reproduzir, gerando novas sementes que poderão reiniciar esse processo. Mas você já se perguntou o que acontece com as sementes que não germinam logo após a dispersão?
Após a dispersão, as sementes que por algum motivo não germinaram chegam ao solo através de diferentes agentes como a água, o vento ou animais, e ali se acumulam, formando o banco de sementes do solo. Essas sementes chegam ao solo em diferentes momentos ao longo do tempo, fazendo com que as mais novas se depositem acima daquelas que chegaram ao solo há mais tempo. Dessa forma, é comum encontrarmos mais sementes viáveis (ou seja, aquelas que ainda têm condições de germinar) em camadas superficiais do solo do que em camadas mais profundas.
Alguns fatores podem contribuir para que a semente se deposite no solo, como por exemplo o seu tamanho e formato. Sementes grandes tendem a ser mais predadas do que as sementes pequenas. Além disso, justamente por seu tamanho reduzido, as sementes pequenas têm mais facilidade de entrarem e serem armazenadas no solo.
Figura 1. Representação do solo contendo o banco de sementes. Adaptado de Silva; Weiser; Cavassan, 2019. |
O tempo em que a semente estará viável no banco de sementes do solo dependerá de características de cada espécie e das condições ambientais presentes na área. Algumas sementes morrem pouco tempo após a dispersão, devido à dessecação, predação ou mesmo pelo ataque de patógenos, mas outras são capazes de permanecer viáveis no solo por meses ou mesmo anos. Esses fatores, juntamente com a quantidade de sementes sendo produzidas e dispersas na área, podem influenciar o número de sementes encontrado no banco de sementes do solo, fazendo com que a densidade varie muito de um lugar para outro.
Com base no tempo em que a semente permanece viável no solo, os bancos de sementes podem ser classificados, segundo os pesquisadores Thompson e Grime (1979), como transitórios, quando as sementes germinam em até um ano após a dispersão do diásporo (unidade de dispersão da planta, podendo ser uma semente, esporo ou outra parte do vegetal), ou permanentes, quando as sementes permanecem no solo por mais de um ano. Em geral, em maiores profundidades, se encontram majoritariamente sementes persistentes, enquanto que as transitórias tendem a não ser enterradas, sendo encontradas na superfície.
O banco de sementes é algo dinâmico. Sempre temos novas sementes entrando e saindo. Assim, dependendo da estação em que coletamos o banco de sementes, podemos encontrar uma composição de espécies distinta e mesmo uma quantidade diferente de sementes. Muitas espécies possuem estratégias como o período em que dispersam suas sementes ou a presença de dormência para evitar a germinação em períodos desfavoráveis e potencializar o estabelecimento das plântulas (plantas jovens) no meio. Portanto, algumas sementes podem ser dispersas na estação seca e permanecer no banco de sementes até a chegada da estação chuvosa, quando a quantidade de água no ambiente possibilita a germinação e aumenta as chances de que a plântula consiga se desenvolver e se manter no ambiente.
A interação entre o banco de sementes e a comunidade vegetal acima do solo também é dinâmica. Alterações na comunidade vegetal podem afetar a dinâmica do banco de sementes e levar a mudanças na composição de suas espécies e densidade de sementes. Atualmente, a biodiversidade vem sendo muito impactada por ações antrópicas, como a expansão urbana, a construção de estradas, atividades agropecuárias e desmatamentos. Nesse contexto, o banco de sementes do solo é muito importante por consistir num reservatório de espécies para a área, apresentando variabilidade genética, o que lhe confere maior capacidade de resiliência a distúrbios. Ele pode inclusive conter espécies que já não estão mais presentes na comunidade acima do solo, que podem ser recrutadas novamente para a área conforme a comunidade se altera.
O banco de sementes do solo é um dos elementos de regeneração natural da comunidade. Dessa forma, em caso de distúrbios na área, o banco de sementes atua junto com outros elementos, possibilitando que ela consiga se regenerar sem a ação do homem, contribuindo com novas espécies para a comunidade, e assim, permitindo que ocorra a recolonização da área. Consequentemente, com o tempo, toda a cadeia de plantas, fungos, animais e microrganismos possivelmente afetados pelo distúrbio será recuperada. Assim, por exemplo, a queda de uma árvore numa floresta formando uma clareira permitirá que mais luz chegue ao solo, o que pode estimular a germinação de sementes de algumas das espécies presentes no banco. Dessa forma, se a luminosidade no ambiente é alterada, as espécies recrutadas para a comunidade também se alteram.
Por fim, devido ao seu potencial de contribuição com novas espécies para a comunidade, o banco de sementes do solo também pode ser utilizado na restauração de áreas degradadas através de uma técnica nucleadora chamada de transposição de solo. Nela, o solo contendo o banco de sementes de uma determinada área é removido e depositado na área a ser restaurada. Como os métodos convencionais de restauração priorizam o plantio de espécies arbóreas, a transposição do solo pode enriquecer a área em processo de restauração com novas espécies e com diferentes formas de vida, como ervas, arbustos e trepadeiras, componentes importantes da comunidade vegetal.
Figura 2. Parcela com plantas oriundas do solo contendo o banco de sementes transposto para área em processo de restauração. Foto: Solange dos Santos Silva.
Solange dos Santos Silva é graduada em Ciências Biológicas (licenciatura e bacharelado) pela UNESP - Câmpus Bauru e mestra em Biociências pelo programa de pós-Graduação em biociências (interunidades) da Faculdade de Ciências e Letras, câmpus de Assis e da Faculdade de Ciências, câmpus de Bauru. Tem experiência em ecologia, trabalhando com restauração de áreas de cerrado através de técnicas de nucleação e, atualmente, realiza pesquisas com o banco de sementes do solo do cerradão e sua interação com a comunidade vegetal acima do solo.
Referências bibliográficas
LECK, M. A.; PARKER, V. T.; SIMPSON, R. L. Ecology of soil seed banks. San Diego: Academic Press, 1989. 462 p.
SALAZAR, A. et al. Timing of seed dispersal and dormancy, rather than persistent soil seed-banks, control seedling recruitment of woody plants in Neotropical savannas. Seed Science Research, Cambridge, v. 21, n. 2, p. 103-116, 2011.
SILVA, S. dos S.; WEISER, V. de L.; CAVASSAN, O. O que é transposição de solo? Aprendendo Ciência, v. 8, n. 1, p. 17-20, 2019.
THOMPSON, K.; GRIME, J. P. Seasonal variation in the seed banks of herbaceus species in ten contrasting habitats. Journal of Ecology, v. 67, n. 3, p. 893-921, 1979.
THOMPSON, K. Seeds and seed banks. New Phytologist, v. 106, p. 23-34, 1987.
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