Mata Atlântica com Neve, no Brasil?

 Por Giovana Reali Stuani*

Você já imaginou viver em temperaturas negativas, com ventos extremos, geadas e até mesmo neve? Pois é assim que algumas espécies da mata atlântica vivem em regiões mais frias no sul do Brasil. Em certas regiões do Brasil, a temperatura média anual é de 14,5ºC, com os termômetros marcando até -8ºC e com ocorrência de neve em épocas mais frias. Mas como as árvores sobrevivem nesse contexto? 

Figura 1. Foto: Mycchel Legnaghi/ São Joaquim Online, tirada na cidade de São Joaquim - SC em 2021.

Segundo o IBGE, a vegetação na região é classificada como Floresta Ombrófila Mista Altomontana ou Florestas Nebulares, estando presente em 40% do território do Paraná, 30% de Santa Catarina e 25% do Rio Grande do Sul.  Essas florestas estão localizadas a mais de 1.000 metros de altitude, sendo a sua maior ocorrência no Parque Nacional de Aparados da Serra (Figura 2-a), na divisa dos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e no Parque de São Joaquim localizado em Santa Catarina (Figura 2-b). 

Figura 2. Foto: a) Guia aparatos da Serra; b) Acervo pessoal, 2017.

A vegetação é perenifólia, ou seja, não há perda das folhas durante o ano, e apresenta verões amenos e invernos úmidos. Essa vegetação é caracterizada pela presença de neblina durante a maior parte do tempo, no qual eventualmente, forma um microclima específico por meio de altas taxas de umidade relativa do ar e redução da radiação solar. Com isso, há uma intensa formação de musgos e líquens no tronco das árvores, dando um aspecto de “floresta de duendes” ou “matinhas nebulares”.

Figura 3. Foto: Acervo pessoal, foto tirada na cidade de Urubici - SC em 2018.

Devido às condições climáticas peculiares, essa vegetação apresenta um alto grau de endemismo e para sobreviver a essas condições, as espécies vegetais precisam apresentar adaptações importantes, como tamanho e espessura da folha, que devem suportar o congelamento no caso de geadas; troncos tortuosos e com densidade da madeira específica para aguentar os ventos fortes, entre outras características. 

Figura 4. Foto: Blog Rã Bugio, foto tirada na cidade de Itaiópolis - SC em 2021.

As florestas nebulares são caracterizadas pela presença dominante de Araucária, no sub-bosque ocorre uma complexa variedade de espécies como as canelas, imbuias, erva-mate, Podocarpus, Drimys, diversas Myrtaceaes como as Myrceugenias e Eugenias e o xaxim, sendo grande parte dessas espécies endêmicas e ameaçadas de extinção (APREMAVI).  Nessas florestas também ocorre uma série de espécies da fauna, que hoje são igualmente ameaçadas de extinção e endêmicas, como o papagaio-charão e a gralha azul. Porém, mesmo adaptadas às condições climáticas extremas, as mudanças climáticas como o aumento de temperatura drástica ou até mesmo eventos de frio severos como os que estão sendo registrados agora no mês de julho de 2021 podem causar estragos irreversíveis para a biodiversidade da flora e fauna local. Os moradores da região têm relatado que diversas árvores estão com seus galhos quebrados devido ao acúmulo de neve e há perda dos frutos verdes e maduros, afetando a dispersão de sementes e alimentação da fauna local, entre diversas outras perdas ainda não mensuradas. 

Foto: Jean Raupp/ NSC TV, foto tirada na região de Urupema - SC em 2021.


*Giovana Reali Stuani é Técnica em Controle ambiental pelo IFC- Camboriú, Engenheira Florestal pelo CAV/UDESC e atualmente Mestranda em Recursos Florestais na ESALQ/USP, e integrante do projeto NewFor. Durante a graduação foi bolsista PIBIC de iniciação científica pelo CNPq, onde estudou a dinâmica florestal em florestas ombrófilas mistas altomontanas e atualmente no mestrado estuda a dinâmica florestal e a conservação da biodiversidade em paisagens agrícolas


Referências:

APREMAVI. Mata com Araucarias. Disponível em: https://apremavi.org.br/mata-atlantica/paisagens-da-mata/floresta-com-araucarias/. Acesso em: 30 jul. 2021.

IBGE. 2012. Manual Técnico da Vegetação Brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.


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