A Bioeconomia dos Produtos Não Madeireiros das Florestas Naturais

Por Sandra Regina Afonso*

 

Crédito: Foto André Dib/ Acervo do Serviço Florestal Brasileiro

O Brasil é o país com a maior área de floresta tropical do mundo. Conforme os dados publicados pelo Serviço Florestal Brasileiro1, possui cerca de 498 milhões de hectares, 58% do território, coberto por florestas naturais e plantadas. Desse total, cerca 488 milhões de hectares (98%) são compostos por florestas naturais e cerca de 10 milhões de hectares (2%) por plantadas.

As florestas naturais brasileiras abrigam a maior biodiversidade do planeta, o que coloca o Brasil como principal nação entre os 17 países megadiversos. E, complementar a isso, e não menos importante, temos em nosso território uma diversidade única de povos e comunidades tradicionais, que vivem nas florestas e fazem uso da biodiversidade, em especial dos produtos florestais que não são madeira. Mas, a pergunta que fica é: O quanto estamos de fato aproveitando esse potencial?

Essa atividade relacionada ao extrativismo de produtos não madeireiros oriundos de florestas naturais apresenta um valor não totalmente mensurado. Os dados apresentados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)2 têm mostrado, nos últimos anos, que o valor arrecadado por essa atividade gira em torno de 1,6 bilhão/ano. Esses mesmos dados mostram que apenas 7 (sete) produtos respondem por 94% desse valor, quais sejam: fruto de açaí, erva-mate, pó de carnaúba, castanha do Brasil, amêndoas de babaçu, pinhão da araucária e fruto do pequi.  Conforme dados de exportação, disponibilizados pelo MDIC (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços)3, alguns desses produtos circulam no mercado internacional, a exemplo da castanha do Brasil, erva-mate, cera de carnaúba, óleo de babaçu, borracha natural e, mais recentemente, polpa de açaí. 

Crédito: Acervo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Essas informações nos trazem a reflexão do quanto subestimamos a atividade de extração dos produtos florestais não madeireiros (PFNMs) ao contabilizarmos apenas o que circula no mercado formal, bem como do quanto temos ainda de potencial de uso de uma série de outros produtos, que podem ser trabalhados para acesso a mercados nacionais e internacionais.

Não há dúvida de que o maior valor desses produtos está no uso pelas comunidades, que vivem na floresta. Contudo, há espaço para a ampliação da comercialização dos diversos PFNMs das florestas naturais, de modo que sejam motores para o desenvolvimento local. Estima-se que, a economia do açaí, da borracha, do babaçu e do pequi envolva diretamente cerca de 1 milhão de famílias.

Para o que possuímos de floresta, de biodiversidade e de conhecimento tradicional, isso é pouco. E assim, temos potencial para alavancarmos o que podemos chamar de uma bioeconomia baseada nos recursos florestais, a “bioeconomia da floresta”.  A bioeconomia da floresta pode ser um caminho se a entendermos como um conjunto de atividades econômicas relacionadas à obtenção de produtos florestais e de serviços do ecossistema florestal, gerados de forma inovadora e sustentável, levando em consideração os aspectos ambientais, sociais e culturais associados ao uso dos recursos florestais4

A partir dessa visão da bioeconomia da floresta e, no que se refere aos PFNMs,  destaca-se que, para além do extrativismo, o plantio de espécies de interesse econômico para fins da extração de PFNMs  também contribui para o ganho de escala na produção. Nesse sentido, destacam-se os plantios em sistemas agroflorestais ou em áreas de restauração florestal.

No Brasil, o termo bioeconomia foi incorporado às políticas públicas a partir de 2018 e, atrelado aos produtos da sociobiodiversidade, em 2019, a partir do estabelecimento do Programa Bioeconomia Brasil Sociobiodiversidade. Se, a partir disso, passarmos a promover ações de incentivo à inovação na atividade, de forma participativa e inclusiva, poderemos ter boas perspectivas quanto ao desenvolvimento de uma bioeconomia relacionada aos PFNMs.

Para isso, alguns antigos desafios ainda precisam ser superados, tais como: 

acesso aos recursos florestais de forma segura pelos extrativistas; 

incentivos à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias de processamento e comercialização de PFNMs, de forma participativa e inclusiva; 

melhoria das informações de produção de PFNM de forma dar visibilidade à atividade; 

oferta de assistência técnica, créditos e incentivos para gestão, produção e processamento de PFNMs; 

promoção de parcerias justas entre empresas e comunidades para oferta de novos produtos de PFNMs e acesso à novos mercados. 


*Sandra Regina Afonso, Eng. Agrônoma (Universidade de São Paulo – Esalq/USP), Mestre e Doutora em Ciências Florestais (Universidade de Brasília - UnB). Pesquisadora do Serviço Florestal Brasileiro e Professora Colaboradora no Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural da Universidade de Brasília – PPG Mader/UnB.

E-mail para contato: sandra.afonso@florestal.gov.br ou afonsandra@gmail.com

Referências:

Para saber mais:

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Por que não devo chamar a Mata Atlântica de bioma?

A importância da conservação e restauração de nascentes

Introdução ao Novo Código Florestal (NCF) e Lei de Proteção da Mata Atlântica (LMA)